Roma, 11 Mai (Inforpress) – Um dos porta-vozes do movimento que representa vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica pediu hoje que o Papa Leão XIV ponha o tema como uma prioridade e definas regras globais para lidar com os casos.
“Agora que temos um novo papa latino-americano deve ser dado um exemplo em todos os episcopados latino-americanos que, 'por decisão e por ordem do Papa, não pode existir um duplo padrão' entre as várias hierarquias católicas espalhadas pelo mundo", afirmou o argentino Sebastián Cuattromo, do coletivo Adultos pelos Direitos da Criança.
No dia em que o Papa faz a primeira saudação dominical na Praça de São Pedro, rezando o Regina Caeli, um grupo de vítimas juntou-se na Praça para pedir que o Vaticano imponha regras comuns a toda a Igreja.
Cuattromo, de 42 anos, deu o exemplo do que se passa “nas sociedades do primeiro mundo e a América Latina que funciona como um quintal do Vaticano, onde as mesmas exigências [de reparação] não são sentidas como, por exemplo, são sentidas perante a opinião pública europeia”.
“Como sobrevivente de abusos sexuais na infância no seio da Igreja Católica, com outros companheiros sobreviventes deste crime, esperamos que o Papa faça uma menção explícita a esta questão e uma referência explícita ao que tenciona fazer a este respeito para saldar as dívidas muito grandes que, na nossa opinião, a Igreja Católica ainda tem para com as vítimas”, afirmou Cuattromo.
“Nós, vítimas, quebrámos o tabu, o silêncio, a negação, a ocultação, com as nossas lutas, com um enorme sacrifício, e alcançámos um nível de visibilidade na opinião pública”, que obrigou a Igreja a encarar o problema.
Por isso, o grupo global de vítimas subscreveu uma petição já entregue, em que exigem “uma verdadeira lei de tolerância zero que seja estabelecida como direito canónico”, o que “implicaria a expulsão imediata da vida religiosa de qualquer pessoa que estivesse envolvida nestes atos”.
Além disso, propõem uma “comissão da verdade que não deve ser dirigida pelo Vaticano, mas por organizações internacionais de direitos humanos com padrões das Nações Unidas e com as quais o Vaticano teria de cooperar plenamente, libertando todos os arquivos que possui sobre o assunto”.
Finalmente, as vítimas pretendem um “processo de justiça para as vítimas, onde, entre outras coisas, haja ações concretas de reparação e justiça para os sobreviventes em todo o mundo”, com os custos suportados pelos próprios bens da Igreja.
No seu caso particular, Sebastian Cuattromo moveu uma ação contra um religioso de uma escola católica de Buenos Aires por abusos sexuais e ganhou o processo em 2012, ainda antes da eleição para Papa do então cardeal Bergoglio, arcebispo da capital argentina.
“Então, a hierarquia católica da cidade pôs-se contra as vítimas e apoiaram a escola, que pretendia silenciar as vítimas desse delito através de um acordo económico privado”, recordou.
“Fizeram-nos sentir uma profunda subestimação da gravidade do crime de que estávamos falando”, até porque, naquele momento, “eu era um jovem que estava a lutar em solidão, com muitas dúvidas, com muitos menos, com muita angústia e senti uma absoluta falta de empatia e, em vez disso, profunda arrogância”, explicou.
Depois da eleição de Francisco, “convidei-o publicamente e privadamente para se reunir com as vítimas do seu país, especialmente os que tiveram más experiências”, mas o Papa “nunca teve a coragem nem a sensibilidade de nos convocar”.
“Esta falta de decisão do Papa Francisco sobre este assunto em particular fez com que não tenha sido criada pelo episcopado argentino nenhuma comissão de inquérito a estes crimes, nenhuma comissão que tivesse a obrigação de prestar contas à sociedade argentina ou de tomar ações de reparação e justiça para as vítimas, como aconteceu em Portugal, por exemplo”, acusou Cuattromo.
“Sei muito bem que o Papa Francisco é amado e lamentado por milhões de pessoas em todo o mundo pelos seus gestos e atitudes de compromisso com as grandes injustiças sociais, económicas e ambientais”, pelo que é uma “grande e profunda contradição, que não tenha tido essa atitude em particular com as vítimas de abusos sexuais eclesiásticos no seu país”, afirmou.
Para o novo Papa, que é também acusado de ter ignorado queixas de abusos quando era prior geral dos Agostinhos, Cuattromo espera que Leão XIV “assuma este tema pessoalmente” e que demonstre estar disposto “a ir às últimas consequências”.
“É por isso que eu acho que, claramente, no caso particular da América Latina, deveria haver uma decisão muito firme e clara de dar um exemplo e um testemunho concreto de uma verdadeira política de tolerância zero em relação aos povos latino-americanos como um todo, por parte deste novo Papa latino-americano”, afirmou.
Sebastián Cuattromo espera que Leão XIV “não faça o que Francisco fez nesta questão” e “convoque as vítimas do Peru, dos locais onde teve responsabilidade, que dê o exemplo, que as receba, que as abrace e, se tiver de pedir desculpa, o faça publicamente, se tiver de se retificar por acções ou omissões que possam ter magoado, prejudicado ou lesado as vítimas, que o faça, que tenha a coragem histórica de dar esse testemunho, que neste ponto específico Francisco não quis realmente dar”, disse o argentino, que se mantém crente católico.
Mas “sou um católico pouco institucionalizado” na Igreja, afirmou ainda.
O cardeal Robert Francis Prevost, de 69 anos, foi eleito na quinta-feira Papa, após dois dias de conclave, na Cidade do Vaticano, e assumiu o nome de Leão XIV.
Nascido em Chicago, Estados Unidos, o novo Papa tem ascendência espanhola e nacionalidade peruana, e pertence à Ordem de Santo Agostinho, tendo sido bispo de Chiclayo (Peru) e era o Prefeito do Dicastério para os Bispos.
Leão XIV sucedeu ao Papa Francisco, que morreu em 21 de abril, aos 88 anos.
Inforpress/Lusa
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