REPORTAGEM: Batuque une gerações e desafia preconceitos na preservação da cultura cabo-verdiana (c/vídeo )

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REPORTAGEM: Batuque une gerações e desafia preconceitos na preservação da cultura cabo-verdiana (c/vídeo )
27/09/25 - 02:00 am

Cidade da Praia, 27 Set (Inforpress) - O batuco, uma das mais antigas expressões musicais de Cabo Verde, continua a unir gerações e a desafiar preconceitos, afirmando-se como um símbolo de resistência cultural e um espaço de convivência entre mulheres, homens e crianças.

Uma das mais antigas expressões musicais de Cabo Verde, continua a ecoar com força nas ilhas, resistindo às transformações sociais e culturais. Mais do que uma dança, trata-se de um espaço de identidade colectiva, onde convivem tradição, inovação e até debates sobre género.

Para o músico e pesquisador Bob Mascarenhas, o batuco de antigamente pouco mudou, pois recorda que, no passado, predominavam as formas tradicionais como o “txabeta”, e que embora hoje a prática esteja a ganhar o acompanhamento de instrumentos musicais, a essência da tradição mantém-se firme.

Francisca Almeida, mais conhecida como “Vovó”, 86 anos, é considerada uma referência viva da tradição do batuque em Cabo Verde, traz à memória os tempos em que se batucava apenas com as mãos no peito.

Natural da Cidade Velha, conta que observava os mais velhos a batucar e, ainda jovem, ficava a seus pés, até que, por volta dos 30 anos, começou também a participar activamente. Para ela, apesar das transformações, o batuco tornou-se “ainda mais bonito” com o passar do tempo.

A presença de Francisca Almeida em palco emociona e inspira colegas de grupo, como Ana Paula, a descreve como uma “inspiração” para todos que amam o batuque.

“Na idade que tem, não fica atrás da juventude, cativa as pessoas e mostra que a idade não impede ninguém de fazer o que gosta, ela dança à sua maneira e a sua versão. Nós do nosso grupo nos inspiramos muito nela”, afirmou.

Vovó sustenta que o batuque é “mais bonito” quando é interpretado exclusivamente por mulheres, razão pela qual o grupo mantém apenas elementos do sexo feminino.

“Hoje em dia está na moda misturar homens e mulheres, mas nós não colocamos homens, para mim, o batuque é especial, sinto-me bem quando estou a batucar e quero manter essa tradição enquanto puder”, realçou.

Em contrapartida, Alex Alves, conhecido como Jojo, do grupo “Djunta Mó Unido”, que é constituído por seis homens e seis mulheres, realçou que quem “ama o batuque" não deve desistir por causa do género.

Defende que, “se alguém gosta e se sente bem a praticá-lo, tem o direito de participar”. Nesse sentido, reforça que os homens também devem ter a possibilidade de “dar tchabeta”, cantar e tocar, tal como qualquer batucadeira, alegando que quando entrou no batuco o seu maior medo era o preconceito.

Entre diferentes perspectivas, Bob Mascarenhas analisa a evolução do batuco como uma conquista colectiva, recordando que, ao contrário do que muitos pensam, os homens sempre estiveram presentes no batuco e que hoje a sua presença é mais visível.

“O batuco nunca foi só para mulheres, é claro que temos 99% de mulheres no batuco sempre em cada grupo de batucadeiras havia homem no meio, como o exemplo de Ntoni Denti d’Ouro, só que antigamente homem “faranganha” (dança masculina), mas hoje em dia homem dá torno, as coisas mudaram eu dou graças a Deus que o batuco evolui”, realçou.

Mascarenhas alega que hoje o batuco não vai morrer, que tiveram um trabalho desde 2016 para reabilitar o grupo de batuco, e que a maioria dos esforços foi graças às batucadeiras.

“Para mim, elas são mentoras do batuco. Se não fossem as mulheres, hoje não teria batuco como género musical cabo-verdiano”, reforça.

A renovação da tradição também vem das novas gerações, o grupo “Flor da Revolução”, de Praia Baixo, formado por crianças dos seis aos 14 anos, nasceu durante as férias escolares e rapidamente ganhou destaque em eventos comunitários e casamentos.

A porta-voz, Sandra Fernandes, sublinha a importância da iniciativa.

“A ideia é ser mais forte, e com o apoio para irmos mais longe, por acaso as crianças desempenham muito com o ensaio e se preocupam com o grupo”, realçou.

Ana Cristina Pereira, de 13 anos, confirma esse entusiasmo, realçando que para ela, “o batuco significa algo bom”. A jovem sente que a prática lhe traz diversão e confiança, acreditando que, pouco a pouco, o grupo chegará mais longe.

Para ela, este esforço colectivo assegura que a cultura não desapareça e permaneça como parte essencial da vida cabo-verdiana. 

Por seu turno, a porta-voz do grupo, Sandra Fernandes destaca que ainda há muitas dificuldades. Isso porque, ao apanhar um grupo de crianças e levá-las para frente, surgem obstáculos como a falta de fardas, "txabetas" e lenços. Contudo, acredita que "com fé", elas irão mais longe.

Bob Mascarenhas advoga que ainda é preciso fazer mais pelo batuco, não apenas pelos artistas, mas também pelas batucadeiras, cujas contribuições já foram decisivas.

Segundo Mascarenhas, falta apoio das entidades governamentais e dos promotores de eventos para dar ao batuco o valor que merece.

“Se temos mil e tal contos para dar a um jovem, para cantar no festival, porque não dar às batucadeiras 100 contos, é uma luta grande que estamos a enfrentar, não é fácil de vencer, mas se já chegamos até aqui vamos conseguir”, reafirmou, acrescentado que o batuco é um passaporte de Cabo Verde.

Mascarenhas ainda argumenta que as batucadeiras fazem algo que ninguém mais consegue, pelo que não é fácil de dar “txabeta”.

Ele menciona também que, no dia da morna, o Governo investe uma boa quantidade de dinheiro, enquanto no dia do “batuco”, quando se realiza um festival dedicado ao “batuco”, o Governo gasta apenas 100 contos, valor que mal cobre o custo do aparelho de som.

“Em 50 anos de independência foi gasto milhões com artistas, mas perguntamos: e com o batuco quanto é que foi gastado, 15 ou 20 contos [por actuação]? Onde está a valorização do batuco?”, lamenta.

Por sua vez, a vovó afirma que, quando está no “batuco”, se sente feliz, pois considera o batuco uma tradição, razão pela qual promete “continuar participando enquanto puder”.

O batuco combina poesia, voz, música e dança. Gerado a partir do saber popular, da oralidade, redunda numa prática social, simultaneamente, ritual e acto festivo, prenhe de conteúdo cultural, expressão de uma identidade própria.

Cabo Verde celebra a 31 de Julho o Dia Nacional do Batuco, data institucionalizada pela Assembleia Nacional, por voto unânime dos deputados presentes em Março de 2021.

CG/SR//ZS

Inforpress/Fim

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