Transporte público e rampas ineficientes dificultam vida de cadeirantes na Praia (c/vídeo)

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Transporte público e rampas ineficientes dificultam vida de cadeirantes na Praia (c/vídeo)
16/08/25 - 11:03 am

Cidade da Praia, 16 Ago (Inforpress) - Na cidade da Praia, sair de casa continua a ser um desafio arriscado para cadeirantes, que denunciam passeios inacessíveis, transportes públicos sem condições mínimas, táxis que não param e uma inclusão que, muitas vezes, "existe apenas no papel".

Em Cabo Verde, a mobilidade das pessoas com deficiência, especialmente cadeirantes, continua a enfrentar obstáculos profundos que vão além da existência de leis ou infraestruturas.

O problema começa nas ruas, passa pelos transportes e estende-se ao comportamento da sociedade, e apesar de avanços legislativos e adaptações estruturais em algumas instituições, a realidade enfrentada por esses cidadãos nas ruas da capital ainda é marcada por desafios diários de “chegar”.

Nilson Pires, atleta paralímpico, vive essa dura realidade em sua cadeira de rodas, enfrentando diariamente o desafio de chegar aos treinos, ao trabalho, à universidade ou simplesmente cumprir tarefas cotidianas.

“Às vezes, fico horas esperando um autocarro e ele passa directo. O motorista acha que vai perder tempo, mas para mim isso é perder uma oportunidade de chegar onde preciso”, relata.

“No táxi, a situação não é muito diferente. Muitos não param ou cobram mais caro só porque estou numa cadeira”, acrescentou.

Nilson destacou também, que muitas rampas, apesar de existirem, foram mal construídas, escorregadias, muito inclinadas ou quebradas, tornando-se obstáculos em vez de facilitadores.

“Em muitos casos, as rampas são feitas apenas para cumprir exigências formais dos projectos, mas não há fiscalização para garantir que realmente funcionem. É tudo para cumprir os controlos das instituições”, reiterou.

Sheila Moreno, outra cadeirante, desde criança, também compartilha sua experiência, reforçando o sentimento de limitação, mas sem perder a determinação.

Para ela, o transporte público representa uma dificuldade constante.

“Todos os dias enfrento dificuldades para entrar num autocarro. É cansativo. Às vezes peço ajuda, mas consigo fazer a maior parte das coisas sozinha”, afirma.

Ela conta que a situação com os táxis é ainda mais complicada, pois muitos motoristas recusam a corrida apenas por ela estar numa cadeira de rodas, com a desculpa de que não têm tempo.

“Não é justo. Já fiquei várias vezes à espera e vi o táxi passar directo”, lamentou.

Quanto aos passeios, Sheila considera que são mais um obstáculo no seu dia a dia, com rampas que existem só por existir e cheio de buracos. 

“As rampas existem só por existir. São muito inclinadas, e muitas vezes não dá para um cadeirante subir sozinho. Nesses casos, acabo pedindo ajuda. Mas nada disso me impede de fazer o que quero. Sou muito determinada”, afirmou.

Para o presidente do Comité Paralímpico, Rodrigo Bejarano, a acessibilidade não pode ser tratada como um extra, mas como um direito básico que precisa estar no centro das políticas públicas.

Ele reconheceu os avanços legais e os investimentos feitos em estruturas como escolas, hospitais e estádios, mas alertou que sem mobilidade urbana funcional, esses espaços continuam inacessíveis para grande parte da população com deficiência.

Considerou que há um problema estrutural de continuidade e fiscalização, com muitas rampas construídas apenas para cumprir requisitos formais de projetos financiados, acabando por ser mal-executadas, sem manutenção ou supervisão adequada, tornando-se barreiras disfarçadas de inclusão.

“Rampa que ninguém consegue usar não é acessibilidade, é maquiagem institucional”, alerta.

Outro ponto central, segundo ele, é o papel do transporte público como elo fundamental na garantia de outros direitos.

Defendeu uma abordagem mais sistêmica e integrada, destacando que mesmo que os edifícios públicos estejam adaptados, se as pessoas com deficiência não conseguem chegar até eles, todo o investimento perde sentido.

O mesmo acredita ainda que a formação dos profissionais da mobilidade, desde motoristas até atendentes, é uma peça essencial na transformação social. 

A empatia, diz ele, deve ser parte do currículo, “é preciso compreender que qualquer pessoa, em qualquer momento da vida, pode passar a depender de um ambiente acessível para manter sua autonomia. 

Na sua visão, a responsabilidade pela inclusão deve ser coletiva, do Governo, empresas, instituições e que cidadãos comuns precisam assumir um papel activo.

No sector dos táxis, peça-chave para a mobilidade individual, o presidente da Associação de Taxistas da Praia, Adriano Monteiro, reconhece que ainda há muitos desafios no transporte de pessoas com deficiência, sobretudo pela falta de viaturas adaptadas no mercado.

Segundo ele, a inexistência desses veículos, aliada ao esforço adicional necessário no embarque e desembarque, acaba por desmotivar alguns taxistas a prestar o serviço, não necessariamente por má vontade, mas por falta de condições adequadas. 

“As vezes uma pessoa está em um lugar em que a paragem é inadequada.  Então, isso leva tempo para colocar no carro, e tempo para tirar do carro. Então, às vezes, os taxistas recusam o serviço porque isso demora mais tempo”, disse.

Apesar disso, afirmou que a associação tem actuado para melhorar a situação, com um protocolo que foi recentemente assinado com o Comité Paralímpico, com o objetivo de formar e sensibilizar taxistas para melhor atender este público.

 Sublinhou ainda que os condutores passam por formação profissional, durante a qual são instruídos sobre o atendimento a pessoas com deficiência, e destacou também o papel da empatia no trato diário.

“Hoje a pessoa pode não ter deficiência, mas amanhã pode ter. É importante pensar nos outros”, alertou.

Além das barreiras físicas, há também os obstáculos invisíveis como rampas ineficientes, falta de informação acessível para pessoas com deficiência visual, ausência de tecnologias assistivas em espaços públicos e pouca sensibilização social.

A construção de uma cidade mais inclusiva, segundo os entrevistados, exige acções concretas do governo, das instituições, das empresas e da sociedade civil.

Criar órgãos de fiscalização, ampliar o transporte adaptado, promover campanhas de sensibilização e adotar tecnologias inclusivas são caminhos apontados por Rodrigo Bejarano, para garantir o direito à mobilidade.

A Inforpress tentou ouvir a empresa Sol Atlântico e a Direção Geral dos Transportes Rodoviários (DGTR) para obter esclarecimentos sobre a acessibilidade no transporte público e eventuais medidas em curso, mas até ao fecho desta reportagem não obteve resposta.

DV/SR/JMV

Inforpress/Fim

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