***Por: Marli Coutinho Mendes, da Agência Inforpress***
Calheta, 23 Set (Inforpress) – Quem chega a Lém Oliveira, na localidade de Cutelo Gomes, no município de São Miguel, é recebido por um silêncio que fala mais alto do que qualquer palavra.
A paisagem transmite paz e tranquilidade, mas esconde também o vazio deixado por gerações que partiram em busca de melhores condições.
Hoje, pouco mais de oito casas permanecem habitadas. Nelas vivem sobretudo idosos – viúvos, casais de idade avançada e, em alguns casos, avós acompanhados por netos e bisnetos.
As paredes desgastadas, telhados esburacados e pedaços de casas a cair contam, sem voz, a história de um êxodo que levou os mais jovens para cidades, outras ilhas ou até para a emigração.
Apesar das dificuldades, o que primeiro se sente é a morabeza dos moradores: um acolhimento caloroso, um sorriso tímido, mas sincero, e a alegria em ter alguém disposto a ouvir as suas histórias.
Para eles, partilhar a vida, as lutas e as memórias é também uma forma de manter viva a comunidade. O contentamento em ver a sua realidade ser contada mistura-se com a esperança de que a voz de Lém Oliveira não se perca no silêncio.
A Inforpress foi conhecer a história dos resistentes que ainda persistem em viver nesta zona, apesar das dificuldades.
Quem dá o mote a conversa é a “guardiã da comunidade”, Luzia Varela, na casa dos 60 anos, uma das “mais jovens” da localidade e com um coração de ouro para acolher e envolver todos mediante a possibilidade.
Vive há mais de quatro décadas neste povoado, sobrevive a problemas de saúde, pois luta desde 2018 contra um cancro da mama, mas ainda encontra forças para ser o elo entre os vizinhos.
Sempre que a saúde lhe permite, visite os que já passaram dos 80 anos, levando companhia e atenção onde a solidão pesa.
“Eles não querem deixar as suas casas, mesmo sem condições. Aqui está o aconchego deles, a história de vida de cada um”, diz Luzia, com voz firme, mas olhar emocionado.
Aliás, neste povoado, os laços resistem, como o caso da Leocádia Pereira, 88 anos, viúva e natural de Saltos, que vive desde os 22 anos em Cutelo Gomes.
A sua casa ameaça ruir, mas ela não pensa em sair. “O meu desejo é sair desta casa apenas para o cemitério”, confessa entre lágrimas.
O mesmo sentimento partilha Paulo Varela, emigrante durante 45 anos. Regressou há seis anos, já com cerca de 80, para não se desligar da sua terra-mãe. “É aqui que quero ficar, mesmo com dificuldades”, garante.
Entretanto, além das condições habitacionais, estes moradores resistentes, também enfrentam dificuldades com a via de acesso, pois a estrada apresenta algumas dificuldades, o que torna a vida mais dura ainda.
O isolamento agrava-se com a falta de condições da estrada que liga a comunidade a outras zonas e cutelos da Ribeira de São Miguel, e hoje, poucos condutores se arriscam a passar por ali e os que aceitam cobram até 1500 escudos por frete.
Com a chegada das chuvas, os moradores temem ainda mais a situação desta estrada que grita por intervenções urgentes e fiquem completamente isolados.
Na agricultura, os poucos trabalhos existentes recaem sobre os próprios idosos ou sobre crianças da comunidade, que ajudam mediante pequenas remunerações, pois, nesta comunidade vive-se da criação de gado e da agricultura de sequeiro.
Mas, mesmo dependendo destas duas actividades básicas e essenciais para estes moradores, a água é outro desafio.
Enquanto aguardam pela ligação domiciliária, compram nos autotanques por valores entre 1300 e 1500 escudos, ou descem até um poço na ribeira, por caminhos difíceis e inseguros.
Diante desta situação, mais do que ajuda financeira, a comunidade pede um olhar solidário, com visitas por parte do pessoal de saúde, maior atenção às necessidades dos idosos e uma intervenção urgente na estrada.
Reconhecem o esforço da Câmara Municipal de São Miguel, mas lembram: “quanto mais se faz, mais necessidades surgem, principalmente quando os mais velhos ficam para trás”.
Lém Oliveira resiste, mas resiste com fragilidade. Cada rosto idoso guarda memórias e histórias que se confundem com as próprias pedras das casas. E todos, mesmo diante da solidão, repetem em uníssono: “daqui, não queremos sair”.
O apelo que ecoa em Lém Oliveira não é apenas pela melhoria das condições materiais, mas pelo reconhecimento da dignidade de quem, mesmo frágil, não deixa de amar a sua terra. É um pedido silencioso, mas profundo, para não serem esquecidos.
MC/JMV
Inforpress/Fim
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