Morosidade nos processos judiciais em Cabo Verde inquieta advogados e cidadãos (c/áudio)

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Morosidade nos processos judiciais em Cabo Verde inquieta advogados e cidadãos (c/áudio)
14/07/25 - 01:46 pm

Cidade da Praia, 14 Jul (Inforpress) - A morosidade nos processos judiciais continua a ser “uma dor de cabeça” para advogados, vítimas e cidadãos que aguardam respostas do sistema de justiça, face a “fiscalização insuficiente e a lentidão” nos trâmites judiciais.

Na sequência de uma investigação da Inforpress, dois advogados analisaram as raízes desse problema e indicaram soluções possíveis. 

Em paralelo, uma cidadã revelou que aguarda há mais de seis anos por uma decisão judicial que “nunca chega”.

O advogado e professor Marco Paulo explicou que o Ministério Público conta com o apoio de organismos internacionais, como o Unicef, para fortalecer os recursos humanos e implementar mecanismos que aceleram os processos urgentes, especialmente os que envolvem menores.

Este defensor reforça que a Ordem dos Advogados tem o papel de garantir a assistência jurídica imediata às vítimas, independentemente da condição económica, em conformidade com a Constituição.

Porém, alertou para a urgência na actualização da legislação sobre a assistência judiciária, actualmente baseada numa lei de 1988, considerada ultrapassada.

Destacou ainda a importância de fiscalizar os defensores oficiosos, que “em alguns casos não acompanham os processos”, especialmente em ocorrências de agressão sexual contra menores.

Marco Paulo apontou a falta de fiscalização do cumprimento dos prazos por parte dos magistrados como principal causa da morosidade judicial.

“Há processos que ficam parados por anos, mesmo com prazos legais claros para despachos e sentenças”, denunciou.

Ele também criticou “a discrepância entre a rapidez na cobrança dos custos processuais e a lentidão nas decisões judiciais”, o que, a seu ver, “prejudica a aplicação da justiça”.

O advogado Anildo dos Santos, por seu lado, estabelecido em São Nicolau, afirmou que a morosidade é menor na sua comarca devido ao volume de processos, que é escasso, mas admitiu que em outras regiões a situação “é preocupante, com processos que podem se estender por vários anos”.

Explicou que embora existam prazos legais para diferentes fases do processo, o tempo necessário para as investigações, especialmente aquelas fundamentadas nos depoimentos das vítimas, prolonga a conclusão dos casos.

Anildo dos Santos lembrou que a criação dos tribunais da Relação tem ajudado a acelerar os processos, mas lamentou a insuficiência de juízes, exemplificando que em São Nicolau apenas um magistrado actua tanto em processos cíveis, como em processos crime.

“É fundamental contratar mais juízes para melhorar a eficiência e reduzir os atrasos”, afirmou.

Ambos os advogados concordam que a morosidade judicial em Cabo Verde exige acções urgentes, como a revisão da legislação, o reforço do quadro de magistrados, melhorias na fiscalização e maior responsabilização dos operadores do sistema de justiça.

Nesse contexto, a Inforpress recolheu opinião de uma cidadã que, sob anonimato, revelou que aguarda há sete anos por uma decisão num processo de abuso sexual.

"Fui vítima de agressão sexual em 2018, e o agressor continua impune porque o processo não anda. Estou sem justiça e ainda tenho que passar por ele quase todos os dias", lamentou, indignada.

De acordo com o relatório anual sobre a Situação da Justiça em Cabo Verde, referente a 2023/2024, o país tramitou cerca de 25 mil processos judiciais, dos quais 13.038 foram resolvidos e 11.951 pacíficos estão pendentes.

No Supremo Tribunal de Justiça (STJ) houve uma redução de 35% nas pendências processuais, com 477 processos resolvidos, sendo 65% deles referentes a casos anteriores a 2018.

Durante o debate parlamentar sobre o estado da Justiça em outubro, o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição), pela voz do deputado Démis Lobo Almeida, criticou a situação do sistema judicial no país.

Segundo ele, é preciso ir além da simples contagem de processos nos tribunais e aprofundar a análise das questões estruturais do setor.

Para o maior partido da oposição, a falta de recursos humanos é um dos principais entraves, sustenta a sua tese em como muitos tribunais operam com equipas reduzidas, comprometendo a capacidade de resposta e a resolução dos problemas da população.

No que diz respeito aos crimes sexuais, foram registados 644 processos no Ministério Público em 2023/2024, um aumento de 1,4% em relação ao ano anterior, quando foram 635 casos.

Foram resolvidos 621 processos relacionados a crimes sexuais, 12 a mais que no ano anterior, o que representa um aumento de produtividade de 2%.

Ainda de acordo com o relatório, o número total de processos-crime registados nos serviços do Ministério Público aumentou 11,6% em comparação com o ano judicial 2022/2023. Porém, o número de processos encerrados foi 23,2% inferior ao de processos entrados.

A produtividade nacional caiu 13,2%, “principalmente devido à falta de recursos humanos”, que impediu a criação de equipamento habitual especial para reduzir a pendência na Procuradoria da República da Comarca da Praia.

A pendência nacional de processos aumentou 12,9% em relação ao ano judicial anterior, reflectindo os desafios que o sistema judicial cabo-verdiano ainda enfrenta.

KA/SR//AA

Inforpress/Fim

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