***Por Luís Carvalho, da Inforpress***
Cidade da Praia, 10 Mai (Inforpress) – Júlio Ascensão Silva, antigo secretário-geral (SG) da UNTC-CS, a maior central sindical cabo-verdiana, disse hoje que nestes 50 anos do “verdadeiro sindicalismo” em Cabo Verde há “ganhos evidentes” e, também, alguns constrangimentos que precisam de ser ultrapassados.
“Notamos que houve uma evolução grande, mas há alguns entraves que precisam ser ultrapassados”, apontou o antigo SG da União Nacional dos Trabalhadores de Cabo Verde - Central Sindical, salientando que herdaram os sindicatos que existiram no tempo colonial, que era só de nome, porque “não exerciam, de facto, a função que os sindicatos devem ter”.
Para Ascensão Silva, que hoje preside ao Instituto para a Promoção do Diálogo Social e Liberdade Sindical (IPRODIAL), a acção dos sindicatos herdados do tempo colonial estava “mais voltada para questões sociais e da segurança social”.
O sindicato dos empregados do comércio e o dos marítimos, segundo ele, tinham uma Caixa Sindical da Previdência, “caixas sindicais essas que constituíram o embrião daquilo que hoje é o INPS [Instituto Nacional de Previdência Social]”.
“Herdamos esses sindicatos que vieram do tempo colonial, mas é a partir de Abril de 1974, com a Revolução dos Cravos, como ficou conhecida em Portugal, que teve impacto nas antigas colónias portuguesas, que, de facto, se iniciou um novo processo, aqui em Cabo Verde, do ponto de vista sindical”, explicou o antigo sindicalista, acrescentando que foi nessa altura que apareceu o Grupo de Acção Sindical (GAS).
O GAS foi reconhecido como a única organização sindical existente aqui no país, que evoluiu para a Comissão Organizadora dos Sindicatos Cabo-verdianos (COFCV), que teve como seu presidente o falecido poeta Oswaldo Osório.
A UNTC-CS viria a surgir em 1978, durante o seu primeiro congresso, em que Afonso Gomes foi eleito como primeiro secretário-geral.
Entretanto, com a morte de Afonso Gomes, Júlio Ascensão Silva viria, por indigitação dos seus colegas, a assumir transitoriamente o cargo de SG da UNTC-CS, até à realização do II Congresso da Central Sindical, em 1992. Foi reeleito em 2010 e em 2016 cessou as suas funções de secretário-geral, deixando a vida activa sindical.
Ao longo dos 50 anos do sindicalismo cabo-verdiano, Júlio Ascensão Silva destaca “conquistas importantes”, nomeadamente no domínio da legislação laboral, segurança social e direitos sindicais.
“A UNTC-CS deu uma grande contribuição na elaboração de “leis estruturantes” no país, salientou, indicando, como exemplo, a legislação laboral.
As caixas sindicais, segundo ele, acabaram por dar origem ao antigo Instituto de Seguros e Previdência Social, o ISPS, que depois veio a dar lugar ao actual INPS.
A mesma fonte destacou também o direito à greve como uma das conquistas dos trabalhadores cabo-verdianos, o que, de acordo com as suas palavras, “aconteceu ainda na primeira República, portanto, durante o regime de partido único”.
“E esse reconhecimento [à greve] veio na sequência de um conjunto de lutas, que tiveram lugar aqui em Cabo Verde, das quais eu destacava a dos marítimos e a ameaça de greve dos trabalhadores dos CTT (Correios de Cabo Verde), na altura, a nível nacional”, revelou Ascensão Silva, relevando a greve dos trabalhadores dos Estaleiros Navais de São Vicente, que teve um impacto não só no país, como a nível internacional.
Realçou que as referidas greves se realizaram numa altura em que este direito não era ainda reconhecido no arquipélago.
“Muita gente dizia que a greve era proibida, pois havia uma omissão na lei. Nem a Constituição, nem a lei ordinária do país, de facto, tinham uma posição clara em relação à greve”, pontuou, admitindo que a UNTC-CS “ousou e avançou” para a greve e como primeira consequência o Governo foi obrigado, na altura, a reconhecer este direito aos trabalhadores.
Daí entender que a UNTC-CS também contribuiu para o processo de abertura do país para a democracia, o pluralismo político e o pluralismo sindical no país.
A criação do salário mínimo, o subsídio de desemprego e a participação dos sindicatos na gestão do INPS foram outras “conquistas importantes” apontadas por Júlio Ascensão Silva.
Enquanto esteve na liderança da maior central sindical cabo-verdiana, congratula-se com o facto de a formação ter merecido uma “atenção especial”.
Acrescentou que a formação era e continua a ser “estruturante”, do ponto de vista do desenvolvimento do sindicalismo em Cabo Verde.
“Formamos muitos quadros sindicais, tanto aqui no país, como lá fora, através da cooperação que nós tínhamos, na altura, com várias organizações de diversos países”, asseverou o presidente do IPRODIAL, ajuntando que a preocupação foi sempre no sentido de transmitir aos activistas e aos trabalhadores, “aquilo que são os seus direitos, mas também os seus deveres”.
No seu dizer, uma das funções que os sindicatos devem assumir é com o aumento da produtividade das empresas.
O aumento da produtividade, enalteceu Ascensão Silva, passa pela noção que os trabalhadores devem ter de que “fazem parte da empresa e que o sucesso da mesma também é o sucesso deles próprios”.
Foi nesta perspectiva, esclareceu, que a UNTC-CS encarou a formação como sendo “fundamental”.
“Os direitos e os deveres são duas coisas que devem andar lado a lado”, assinalou a fonte da Inforpress.
A negociação colectiva em Cabo Verde constituiu uma das preocupações que afligem o antigo sindicalista.
“Estamos muito atrasados, é uma área em que, de facto, eu reconheço isso, não se avançou muito aqui em Cabo Verde”, lamentou, a propósito da negociação colectiva do trabalho.
Em termos dos direitos e deveres dos trabalhadores, no dizer de Júlio Ascensão Silva, isto “passa pela negociação colectiva e pelo diálogo social”.
“Apesar de todo o esforço e de toda a formação que inclusivamente fizemos nessa área, nós estamos muito aquém daquilo que deveríamos estar em matéria de negociação colectiva aqui em Cabo Verde”, deplorou Ascensão Silva.
“Teremos que promover a literacia em matéria do diálogo social e da liberdade sindical, para as pessoas poderem saber que, de facto, têm direitos, mas também têm deveres”, concluiu.
LC/ZS
Inforpress/Fim
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