Fazenda da Esperança: uma instituição que devolve a muitos jovens a esperança de viver (c/vídeo)

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Fazenda da Esperança: uma instituição que devolve a muitos jovens a esperança de viver (c/vídeo)
02/10/25 - 03:00 am

*** Por Luís Carvalho, da Agência Inforpress ***

Cidade da Praia, 02 Out (Inforpress) – A Fazenda da Esperança, uma instituição localizada em João Varela, a cerca de 12 quilómetros da capital cabo-verdiana, sob a direcção do missionário brasileiro padre Ronaldo de Lima, tem devolvido a algumas dezenas de jovens a esperança de viver.

O padre Ronaldo Bernardo de Lima veio do Brasil para, durante um período de dois meses, ajudar a firmar a primeira Fazenda da Esperança, na ilha de Santiago, mas ainda continua por cá e em Novembro completa oito anos da sua missão em Cabo Verde. No fim, apenas gostaria de ser lembrado como alguém “que se esforçou em amar e fazer o bem”.

Na Fazenda, a vida começa bem cedo, segundo o seu responsável, ou seja, inicia-se às 06:30 da manhã, com a realização da primeira oração.

“É um primeiro momento de oração onde a gente pode rezar a missa, mas tendo sempre como centro a reflexão da palavra e a escolha de uma frase da palavra de Deus para colocar em prática”, revelou o padre Ronaldo, para quem esta é a regra do dia.

A seguir à oração, os rapazes servem o pequeno almoço, findo o qual cada um retoma a sua actividade laboral.

“A Fazenda da Esperança não tem funcionários. São os rapazes que assumem todos os trabalhos”, alertou o seu responsável.

Quando forem oito horas, cada equipa assume a sua responsabilidade.

“Quem é da cozinha vai para a cozinha preparar o almoço, quem é da padaria vai para trabalhar na padaria, quem é da horta vai para a horta e quem cuida dos animais vai para os animais”, indicou a fonte da Inforpress.

O padre Ronaldo acrescentou ainda que existem equipas de limpeza, de jardinagem e quem é da construção civil vai reparando algumas coisas neste sector.

Das oito até às onze horas e meia da manhã, os rapazes estão nos seus respectivos postos de trabalho.

“Meio dia em ponto é o almoço. Aqui a gente não brinca com isso”, vincou o responsável da Fazenda.

Depois do almoço, os internos descansam até às duas da tarde, período que retomam os respectivos trabalhos até às quatro e meia.

Às cinco horas, normalmente, têm um lanche, que pode ser um chá ou um sumo acompanhado de biscoitos fabricados pelos próprios internos.

Após o lanche, estão livres para jogar bola, fazer footings, tomar banho, ler e podem realizar actividades que quiserem.

“Às seis e meia da tarde, fazem a segunda oração. E, depois da segunda oração, há noites que têm actividades e há noites que são livres”, esclareceu o padre Ronaldo, acrescentando que em algumas noites têm reunião de avaliação da semana, assim como formação sobre um determinado tema para reflectirem.

Para ele, no processo terapêutico a regra é colocar em prática a palavra e, por isso, o primeiro alimento do dia é a “oração baseada na palavra de Deus”.

Os internos podem assistir aos programas na TV, na internet e, também, programas formativos. Às oito horas da noite, todos têm de estar na mesa para o jantar e preparam-se para dormir às dez horas. É o horário para todo mundo ir para a cama, o que não significa que todos dormem a esta hora.

“É o horário de silêncio para respeitar aqueles que querem dormir”, assinalou o missionário brasileiro, que já se sente cabo-verdiano, porque, assinalou, aqui o povo é “muito carinhoso e por todos os lados tem sido bem-recebido”.

Este responsável, que recebeu a equipa de reportagem da Inforpress, recusa a ideia de que na Fazenda da Esperança existem muitas regras e normas.

Na sua perspectiva, o trabalho que os internos realizam na Fazenda faz parte da terapia.

“O trabalho não é apenas ocupacional, mas é também fonte de renda e de auto-sustentabilidade”, observou a fonte da Inforpress, acrescentando que parte dos produtos da Fazenda é igualmente colocada no mercado.

Na semana passada, colheram, conforme revelou o padre Ronaldo, bastante mandioca, batata, cenoura e outras coisas e com a venda destes produtos conseguem custear algumas despesas provenientes do funcionamento da Fazenda.

Daí que considere que a primeira fonte de renda da instituição é o trabalho realizado pelos internos.

Neste momento, a instituição acolhe 48 internos em tratamento terapêutico e à pergunta como conseguem alimentar estas pessoas, o padre Ronaldo responde:

“Sustentar 53 homens [incluindo o responsável e mais dois voluntários] com quatro refeições diárias, não é tão fácil. Temos quatro fontes de renda: O nosso trabalho, a contribuição das famílias que têm condições para o efeito, os voluntários da Esperança e os grupos que nos visitam e trazem doações em mãos”.

Às famílias que têm alguma posse, é-lhes pedido que ajudem nas despesas do filho com um valor simbólico.

“Tem acontecido uma coisa muito bonita aqui na Fazenda, desde há algum tempo a esta parte e que tem crescido. Muitos grupos da Cidade da Praia e também de toda a ilha de Santiago, sobretudo grupos paroquiais, de casais, jovens e de Legião de Maria, que pedem para vir passar uma tarde ou um dia de retiro connosco”, frisou o padre Ronaldo, que se congratula pelo facto de aquelas pessoas levarem sempre “alguma coisa para oferecerem à Fazenda”.

Não obstante estar a fazer um “trabalho meritório” na recuperação de pessoas com problemas de alcoolismo e droga, a Fazenda da Esperança não tem contado com a contribuição do Estado.

“Nós não temos nenhuma contribuição, tipo uma subvenção social do Estado. Do Estado, nós recebemos alguma ajuda esporádica, uma ajuda pontual. Por exemplo, quando instalamos o sistema de rega gota-a-gota, o Ministério da Agricultura entrou com 50% e nós com o restante”, evidenciou o missionário, ajuntando que, recentemente, o departamento governamental da Justiça lhes ofereceu uma viatura para ajudar nos seus trabalhos.

Lamenta que a Fazenda da Esperança não conte com uma “ajuda sistemática e mensal” do Estado, o que garantiria uma segurança financeira à instituição para fazer face às suas as despesas do dia a dia.

Há muitos pedidos pendentes para o ingresso na Fazenda. Neste momento, a falta de espaço tem condicionado a admissão de mais pessoas.

“Todos os meses, temos um grupo que conclui o tratamento, volta para suas famílias, mas todos os meses nós temos um número maior de pedidos diante das vagas que nós temos”, pontuou.

Para responder à demanda, que neste momento é grande, o padre Ronaldo iniciou a construção de mais uma casa, graças a uma ajuda financeira de uma instituição alemã, que disponibilizou 30 por cento do recurso necessário. Entretanto, neste momento, a obra está parada porque falta dinheiro para a sua conclusão.

Instado sobre casos de recaídas, o líder da Fazenda esclareceu que tem havido situações de pessoas que, depois de terem alta, voltam a ter problemas e, em relação a estes casos, a instituição volta a acolhê-las.

Para o padre Ronaldo, isto é “normal”, já que nem todos conseguem adaptar-se ao novo modelo de vida.

“Mas a gente tem tido um índice de perseverança e de integração na sociedade muito alto”, salientou o missionário, concluindo que é por isso que se tem registado uma “grande procura” da Fazenda da Esperança.

Para as pessoas de Santiago, uma das condições para serem admitidas é a realização de uma visita prévia ao espaço, porque muita gente tem ideia da comunidade terapêutica como clínica psiquiátrica, um espaço onde as pessoas ficam presas.

“E quando chegam aqui, encontram um espaço totalmente diferente. Encontram 15 hectares de terra, de plantas, de flores, de animais e de verde”, declarou aquele responsável, garantindo que as casas da Fazenda oferecem “boa acomodação” e, logo, querem ficar.

Neste momento, frequentam o espaço terapêutico rapazes oriundos das ilhas de Santiago, Santo Antão, São Vicente, São Nicolau, Maio, Fogo e Sal.

Carlos Brito, da ilha do Fogo, diz-se “muito contente” com o ritmo da recuperação, enquanto Paulo Heleno Júnior, da cidade da Praia, acha que já teria morrido se não tivesse sido tirado da rua pela Fazenda da Esperança.

Claudino Martins, de São Salvador do Mundo (Santiago) garantiu à reportagem da Inforpress que após o tratamento gostaria de continuar na Fazenda, porque, evidenciou, a vida aqui é “sábi” (boa).

LC/HF

Inforpress/Fim

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