***Por Sandra Custódio, da Agência Inforpress***
Cidade da Praia, 07 Ago (Inforpress) – A escritora Dina Salústio que não se “leva muito a sério”, mas quando escreve, escreve a sério, não dispensa uma companhia agradável e vive com muita esperança mesmo que saiba das dores escondidas ou não resolvidas.
Considerada a primeira mulher a escrever um romance em Cabo Verde Dina Salústio é uma antiga jornalista, professora e premiada escritora cabo-verdiana, tendo sido por duas vezes distinguida pelo Governo de Cabo Verde, primeiro com a Medalha de Mérito Cultural e depois com a 1ª Classe da Medalha do Vulcão.
Também membro fundador da Academia Cabo-verdiana de Letras, Dina Salústio, pseudónimo adoptado por Bernardina de Oliveira Salústio, seu nome completo, nasceu em Santo Antão, Porto Novo, em 1941, num lugar chamado Armazém, numa altura “crítica” para Cabo Verde, dada à fome e à II Guerra Mundial.
Nesta entrevista à Inforpress, a partir de Portugal, onde está neste momento, Dina Salústio falou um pouco sobre si, da sua história e de coisas que mais a emocionam.
Não gostava do seu nome Bernardina, porque, conforme disse, era muito grande para uma “figurinha insignificante”, mas quando lhe contaram a história da sua genealogia passou a gostar do seu nome e da ideia de ligação de nomes na sua família.
Apesar de ter nascido num período de fome, Dina Salústio, que foi viver com a família em São Vicente, disse que, felizmente, não passou dificuldades devido à actividade de produção agrícola da família e, por outro lado, o avô materno era comerciante.
“O facto de uma pessoa não ter fome em casa, na altura em Cabo Verde isso era muito evidente, porque em São Vicente vivia-se a fome… eram pessoas que tinham de ir para São Tomé, presas nos quintalões, obrigadas a sair de São Vicente para ir para São Antão ou São Nicolau, tudo isso marca uma criança”, narrou.
“A verdade é que todo este mundo de dificuldade activa em nós um sentido de compaixão. Acho que foi esse sentido de compaixão que perseguiu toda a minha geração e outras gerações para aquilo que fomos e por aquilo que demos”, observou Dina Salústio para quem as lembranças da sua existência, possivelmente, moldaram determinadas escolhas que fez na vida.
Escolhas, por exemplo, de ser uma mulher que luta pela justiça, igualdade, bem-estar, dignidade humana e fazer de Cabo Verde um país melhor, mesmo que “não consiga nada”, ao menos tem essa intenção, manifestou a escritora que viveu e trabalhou como jornalista, professora e assistente social em vários países, nomeadamente Angola, Portugal e Cabo Verde, onde chegou a trabalhar no Ministério dos Assuntos Exteriores.
Há diferença entre Dina Salústio-mulher e Dina Salústio-escritora.
Explicou que enquanto mulher é Dina família, amigos, realização pessoal, é Dina chata, agradável, que não se leva muito a sério, mas quando escreve, escreve a sério, assumindo-se desde sempre uma escritora comprometida com o país, o povo de Cabo Verde, os valores da independência, com os valores da vida que se quer para os jovens e para a gente de Cabo Verde.
“Se eu brinco com a Dina mulher, se brinco com a Dina amiga… por aí fora, quando eu estou a escrever, levo muito a sério, porque escrevo sobretudo para os jovens”, declarou a escritora.
“Dar a verdade, o correcto às pessoas que nos estão a ler, sobretudo através dos contos, crónicas… Procuro que transmitam, não os meus valores, mas que transmitam a sociedade que nós queremos: uma sociedade justa, livre e responsável. Eu até sonho com uma sociedade rica, uma sociedade grande”, desabafou.
Dina Salústio, que foi casada durante 40 anos e viúva há 10, conta que viver sem uma pessoa com quem se constrói uma vida é uma nova experiência, mas de qualquer modo, explicou que na sua idade já não é tão difícil, porque não há muito tempo a separar-lhes e, possivelmente, vão encontrar-se.
“Portanto, isto amaina as coisas. Não sei se é saudade ou faltar um pedaço. É não ter com quem dividir as emoções, problemas, alegrias. A vida continua, a gente faz os arranjos, mas é sempre difícil”, exteriorizou, revelando que os netos e os filhos são a parte “mais gostosa” da sua família.
Tem três rapazes e, em tom de carinho de uma mãe, “parecem uns garotinhos” quando estão junto dela.
Fala dos cinco netos, sendo três meninas e dois rapazes, também com afeição, os mais velhos já estão formados e, das três meninas, uma é enfermeira e as mais novas têm 04 e 15 anos, respectivamente.
Dina Salústio, que desde os 18 anos vive na ilha de Santiago onde veio leccionar, em Assomada, Santa Catarina, mais propriamente em Chã de Tanque, Pombal, disse nutrir muito carinho pelos pais de David Hopffer Almada e a família toda, até hoje, porque na altura, miúda ainda, foram seus protectores.
“Eu era professora em Assomada, uma miúda de 18 anos. Passava o tempo em casa da dona Júlia e o senhor Almada, um casal fabuloso… eram praticamente os meus protectores. Eles protegiam-me muito e daí o afecto que tenho pela família Hopffer Almada até hoje, porque de facto encontrei neles aquela continuação de cuidado, educação, protecção que tinha em casa em São Vicente”, reviveu.
Acalentada nas suas memórias fala da sua paixão pela rádio e como tudo começou, lembrou-se do projecto de Rádio Educativa, em Angola, e, quando vem para Cabo Verde, encontra uma “absolutamente igual”, no caso concreto, um projecto de Cabo Verde, Alemanha e Unesco.
“Era o projecto da rádio educativa e rural. E aí eu fiz um desses programas durante 10 anos. Eu já gostava de rádio como instrumento de mistério e continuo com essa paixão”, conta.
Embora tenha de cuidar da saúde e realizar consultas de rotina, a idade não lhe pesa nem lhe impede de fazer algumas tarefas de casa, tendo, entretanto, alguém para ajudar quando precisa, em limpezas mais profundas, uma ou duas vezes por semana.
Perguntado se sabe cozinhar e se ainda faz alguma coisa, responde: “para dizer a verdade eu penso que sei cozinhar, mas quando vou cozinhar não sai nada de jeito, a não ser cachupa, aí dou conta do recado. Mas o resto… gosto mais de ir ao restaurante, pedir comida, do que fazer. Gosto de comer e ficar descontraída”, confessou.
Conta que uma vez, quando morava com a irmã, ela foi de férias e passou quase 15 dias a comer atum de lata com bolachas.
“Para ver como é que eu sou uma pessoa de poucos cuidados alimentares. Não tenho um prato favorito, gosto é de companhias favoritas para determinadas coisas. Tenho amigos para moreia, amigos para um arroz de marisco ou outros petiscos”, revelou.
“Não sou uma pessoa necessitada de companhia, mas a comida está sempre associada a uma companhia agradável para determinadas conversas e fofocas, de coisas que não aquecem nem arrefecem… ao voo do pássaro”, expressou.
A escritora que se considera uma mulher que vive com muita esperança mesmo que saiba das dores escondidas ou das dores não resolvidas, acha que o mundo vai ficar melhor.
“A vida é uma oportunidade. Hoje a oportunidade é o sol, amanhã, quem sabe, é a chuva. Não é pelo facto de haver hoje ou amanhã uma inteligência artificial que não vá haver escritores”, analisou a escritora para quem escrever em determinada idade é diferente de outra e agora já não se dedica tanto à escrita, aplicando-se mais à leitura.
A literata, que se diz fã da juventude cabo-verdiana, tanto que quase toda a sua escrita é feita para essa camada, tem mais um livro praticamente pronto, previsto para sair no próximo ano.
“Eu sempre vi a juventude como a minha continuação”, concluiu Dina Salústio que gostaria que os jovens se lembrassem dela como uma escritora que escreveu para eles.
SC/HF
Inforpress/Fim
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