
Cidade da Praia, 24 Out (Inforpress) – O bastonário da Ordem dos Advogados (OACV), Júlio César Martins, considerou hoje que o sistema judicial cabo-verdiano atingiu um ponto de estagnação e defendeu a adopção de um modelo de gestão baseado em dados fiáveis e transparência.
Em audição parlamentar na primeira Comissão Especializada dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos, Segurança e Reforma do Estado, o bastonário realçou que os relatórios dos Conselhos Superiores da Magistratura Judicial e do Ministério Público “mostram um sistema que cumpre o essencial, mas com reduzida margem de crescimento e transformação”.
Segundo Júlio César Martins, os relatórios de 2022, 2023 e 2024 demonstram que os tribunais tramitam, em média, cerca de 25 mil processos por ano, e em 2024 e 2025, cerca de 13 mil processos-crimes e 11 mil processos-cíveis.
A taxa de resolução, avançou, situa-se em 54,3 por cento (%), praticamente inalterada nos últimos três anos, o que “evidencia uma tendência de estagnação”.
“Analisando os números, por cada dois processos que entram, apenas um é efectivamente concluído. E a pendência, durante esses últimos três anos, está à volta dos 11.600 processos”, precisou, apontando a morosidade dos processos cíveis como “o coração do problema”.
Júlio César Martins sublinhou que a taxa de resolução ronda apenas os 48 a 50%, inferior à média de países de referência, acrescentando que a sobrecarga dos juízes, a falta de chefias intermédias e a dependência de tramitação manual continuam a limitar a eficiência dos tribunais.
Na justiça criminal, reconheceu um desempenho mais dinâmico, com taxas de resolução entre 65 e 70%, impulsionadas pelos julgamentos sumários. Contudo, advertiu que “também este sector opera no limite das suas capacidades”.
Para o bastonário, a raiz da estagnação é “estrutural” e resulta da ausência de planeamento, especialização e gestão baseada em métricas modernas.
“Há três anos que os números são praticamente os mesmos, temos os mesmos volumes das mesmas pendências e as mesmas taxas de resolução. A justiça cumpre, mas não se notam melhorias significativas”, disse, asseverando que a digitalização do sistema ainda não chegou plenamente à vertente cível.
Júlio César Martins propôs a transição para um “modelo de verdade e transparência”, que exponha publicamente os dados da justiça e permita corrigir ineficiências com base em factos.
O bastonário chamou ainda a atenção para o “fracasso prático” da actual estrutura da inspecção judicial, apontando a falta de inspectores como um “obstáculo cultural e estrutural” à melhoria contínua dos tribunais.
Como solução, defendeu a revisão constitucional que permita o recrutamento de inspectores entre juristas com experiência comprovada, a criação de uma unidade técnica permanente de auditoria e o reforço da componente pedagógica e preventiva da inspecção.
LT/HF
Inforpress/Fim
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