Independência/50 Anos: Cabo Verde está melhor do que há cinco décadas – antigo presidente da Assembleia Nacional (c/vídeo)

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Independência/50 Anos: Cabo Verde está melhor do que há cinco décadas – antigo presidente da Assembleia Nacional (c/vídeo)
05/11/25 - 02:15 am

*** Por Luís Carvalho, da Agência Inforpress ***

Cidade da Praia, 05 Nov (Inforpress) – O antigo presidente da Assembleia Nacional Amílcar Spencer Lopes considera que ainda é cedo para se fazer um balanço sobre os 50 anos da independência de Cabo Verde, mas admite que hoje o país “está melhor” do que há cinco décadas.

“Temos feito um caminho. E do ponto de vista global, não há dúvida, hoje, 50 anos depois, Cabo Verde está melhor”, indicou Amílcar Spencer Lopes, em entrevista à Inforpress, citando "progressos notórios" nas áreas da saúde e educação.

Em vez de fazer em jeito de balanço o percurso de Cabo Verde ao longo dos 50 anos, como Estado soberano, prefere “comentar” esta trajectória, porque, sublinhou, “50 anos, talvez na vida de uma pessoa seja alguma coisa, mas na vida de um país ainda é um período relativamente curto, pois tenho alguma dificuldade objectiva”.

Quando do processo de descolonização e da independência de Cabo Verde, Amílcar Spencer Lopes era um jovem de 20 e poucos anos e, por isso, se sente “integrado” neste processo, que constitui uma “boa parte” da vida dele.  

A independência, referiu, é um “marco indispensável”, uma vez que é com ela “que nós assumimos as nossas responsabilidades perante o nosso país”.

Para ele, o 5 de Julho de 1975, data da independência do arquipélago, era uma aspiração das gerações de cabo-verdianos, que nesse dia viram a “concretização de um sonho”.

“Mas há uma contradição no nosso processo interno. Vem a independência, chegamos à libertação do país, estamos libertos da opressão fascista, mas o regime que, entretanto, é instaurado em Cabo Verde é um regime do partido único mais grave do que isso”, lamentou o antigo governante, acrescentando que a criação da Polícia Política criou um “ambiente terrível”, pelo menos nas pessoas da sua geração.

Na sua perspectiva, os cabo-verdianos tinham a ambição de se verem livres da PIDE [Polícia Internacional e de Defesa do Estado, criada pelo regime de Salazar], a fim de participar livre e responsavelmente na discussão dos problemas do país.

“Mas passamos depois a desconfiar uns dos outros e a ter medo até de ter conversas públicas, mesmo privadas, com medo da perseguição política”, pontuou, acrescentando que, a dada altura, os cabo-verdianos para se pronunciarem sobre certos assuntos tinha antes que “medir as palavras”.

Spencer Lopes é autor da letra do actual hino nacional, musicalizado por Adalberto Silva (Betú). Perguntado se se sente orgulhoso de ser “pai” do hino, respondeu: “Não, não sou”.

“É sempre difícil estarmos a falar daquilo que é nosso. É um hino que procura ser intemporal, isto é, pode ser cantado por qualquer cabo-verdiano em qualquer época histórica”, referiu.

Segundo ele, trata-se de um hino que se alinha e que tem em consideração os princípios e os valores consagrados na própria Constituição da República: a dignidade humana.

Para ele, uma das referências do actual hino é o ser humano como um fim em si e não como meio. “Contém um pouco da mística da cabo-verdianidade”, comentou.

A realidade histórica de Cabo Verde e o seu povo, acrescenta, são também parâmetros do hino, “e parece que hoje em dia é aceite por todos os cabo-verdianos”.

Sobre as primeiras eleições livres e democráticas em Cabo Verde, realizadas em 1991, em que o MpD venceu com maioria qualificada, Amílcar Spencer Lopes defende que esta vitória aconteceu porque as pessoas estavam “insatisfeitas com a situação”.

“Só não sentia isso quem estava no poder, mas a verdade é que a população de Cabo Verde reagiu positivamente, porque sentia que faltava alguma coisa”, assinalou, justificando que o povo estava “fiscalizado, maniatado, limitado nas suas opções, na sua opinião, no seu desenvolvimento intrínseco”.

A democracia é, no dizer de Spencer Lopes, “o melhor regime político que até hoje a humanidade conheceu”. Reconhece, porém, que esse sistema de governo tem as suas “fragilidades”, uma vez que “não é um processo acabado”.

Na sua óptica, a democracia é um processo exigente, que tem “altos e baixos”, resultante da natureza humana.

“O homem é um ser inteligente, mas não é um ser perfeito”, reconhece o antigo governante, para quem a democracia, além de exigir a participação, requer também responsabilidade.

O ser humano, para ele, é o maior capital de Cabo Verde e, por conseguinte, há que procurar ter uma população cada vez mais educada, levando a educação a todos os pontos do país.

“E nessa preocupação de ir depressa e de ir mais longe, descuidamos o aspecto da qualidade”, lamentou, asseverando que isto tem também o seu preço e as suas consequências.

O antigo líder do parlamento cabo-verdiano diz-se afastado das lides políticas, mas tem acompanhado algumas sessões parlamentares.

“Não tenho muito tempo e, até com toda a sinceridade, pachorra, para estar horas e dias a fio com o rádio ou a televisão sintonizada a ouvir aquilo que se passa na casa parlamentar”, assegura.

Instado a comparar o tempo em que foi deputado e dirigente máximo do parlamento com o que agora se vive na casa parlamentar, defende que são “épocas diferentes”.

“Hoje há mais condições para se trabalhar do que havia naquela altura. Talvez houvesse mais espírito de missão e de sacrifícios do que agora”, declarou Spencer Lopes.

De todo modo, continua a pensar que o parlamento é uma “instituição indispensável”, que deve ser levado a sério e haver essa consciência da parte de todos para que, de facto, consiga fazer o trabalho com “seriedade e resultados palpáveis”.

No concernente aos órgãos externos ao parlamento com mandato caducado e não há consenso entre as principais forças políticas (PAICV e MpD), advoga que tem que haver um entendimento e um trabalho nesse sentido tem que ser feito pelos partidos políticos.

“Já tivemos mais espírito de negociação e conciliação do que estamos a ter neste momento”, sublinhou Spencer Lopes, que tem a ideia que hoje as pessoas estão “mais preocupadas” em chegar ao poder, do que, de facto, exercê-lo em benefício da sociedade de uma forma geral. “Isto prejudica a negociação”, concluiu.

Pensa que devia haver mais “espírito de negociação” da parte dos partidos políticos, mas também, frisou, deveria haver uma outra percepção dos outros órgãos de poder político.

“O Presidente da República, por exemplo, é um órgão que teria um papel importante de moderador no sistema, ele teria um papel importante em aproximar as partes, mas para isso a sociedade teria de reconhecer esse papel”, observou Amílcar Spencer Lopes, entendendo que, para tal, o titular da Presidência da República deve ter um comportamento, de modo que as pessoas reconheçam nele essa “figura de moderador”, porque senão ele acaba por ser um “chefe de partido travestido de Presidente”.

Entretanto, embora sem a intenção de propor que a Constituição seja mudada, duvida que seja bom que os antigos primeiros-ministros sejam candidatos e venham a ser Presidentes da República, “porque têm sempre essa conotação, fizeram 10, 15 anos de chefe de partido de uma situação concreta em que toda a gente conhece e sabe tudo”.

O Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos foi aprovado no tempo em que era presidente da Assembleia Nacional, portanto, há 30 anos.

“Ninguém tem a coragem política [para a revisão deste estatuto], porque há facturas a pagar”, enfatizou Spencer Lopes, realçando que falta coragem política para se dizer: ‘o deputado, o ministro, o Presidente da República estão a ganhar mal”.

Hoje, segundo ele, a realidade cabo-verdiana é outra, pelo que apela à “seriedade e honestidade” para a revisão do referido estatuto, que considera estar “claramente ultrapassado”.

“É ridículo quando a gente nota que o Presidente da República, o presidente da Assembleia Nacional e o primeiro-ministro ganham menos que um director-geral e isto conta para a aposentação”, concluiu.

Perguntado se antigos presidentes da Assembleia Nacional não deviam ter um estatuto que lhes dessem alguns privilégios, Amílcar Spencer Lopes diz que, pessoalmente, “não faz questão”, por ser parte do assunto.

“Por uma questão de ética, coisa que hoje falta muito à nossa sociedade, não me pronuncio sobre este assunto”, observou argumentando, entretanto, que se trata de um assunto que deve ser “questionado e discutido”.  

LC/CP

Inforpress/Fim

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