Ribeira Grande: Jovens desafiam trilhas irregulares e escuridão na madrugada para irem à escola

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Ribeira Grande: Jovens desafiam trilhas irregulares e escuridão na madrugada para irem à escola
18/06/25 - 12:57 pm

***Por: Lucilene Fernandes Salomão, da Agência Inforpress***

Ribeira Grande, 18 Jun (Inforpress) – Nas encostas íngremes de Ribeira Grande, Santo Antão, três jovens enfrentam desafios diários, entre trilhas difíceis e condições adversas, mas carregam consigo o sonho maior de transformar o seu destino através do estudo.

Elaine Lopes, Dimas Paris e Heruisa Monteiro andam com “determinação” por caminhos que poucos se atrevem, apostando na educação como a chave para abrir novas portas e construir um futuro melhor para si e as suas famílias.

Eles vivem nas comunidades de Monte Joana, Costa Leste e Ninho de Corvo, no Planalto Leste em Santo Antão. Lugares de grande riqueza natural, de paisagens quase intocadas pelo desenvolvimento, mas também de enormes desigualdades e onde o acesso à educação ainda é um verdadeiro sacrifício.

Monte Joana, encravada nas montanhas da costa leste, não possui uma ligação rodoviária directa, apenas dois caminhos pedestres permitem o acesso, uma pela Boca de Abóbada e o outro por Pinhão.

São trilhas irregulares, pedregosas, quase sempre escorregadias nas chuvas e muito exigentes fisicamente.

É neste cenário que Elaine Lopes, de 18 anos, faz todos os dias o caminho de casa para o Liceu Suzete Delgado, conforme contou à Inforpress.

A jovem acorda às 05:30, ainda na escuridão da alvorada, faz a higiene pessoal, apanha os seus materiais escolares e inicia a sua caminhada diária, atravessando via Boca de Abóbada até chegar ao liceu.

“Não temos uma estrada até casa. Sou obrigada a fazer todo este caminho ao lado de outras colegas que, como eu, enfrentam as mesmas dificuldades”, desabafou.

Com o coração pesado pelo sacrifício, a aluna revelou que quer usar o estudo como trampolim para uma nova realidade.

“Terminar a escola é a chave para mudar vidas. Espero um dia entrar na universidade e provar que valeu a pena o sacrifício”, projectou a jovem que aproveitou para fazer um apelo às autoridades para que implementem um transporte escolar que facilite o caminho dos estudantes de Monte Joana pela via de Pinhão.

A história de Dimas Paris, coincide com a de Eliane e também revela a mesma resiliência.

Com 12 anos, ele quer estudar para ser professor de Matemática, para compartilhar o saber que ele próprio conquistou superando dificuldades.

“Saio de casa quase às 7:00 e vou a pé. É um caminho cansativo, mas nada me faz desanimar. A minha família é o meu pilar, eles estão a fazer tudo para que tenha um futuro melhor e vou honrar essa confiança”, prognosticou.

Quem também faz um sacrifício particularmente emotivo é Heruisa Monteiro, de 16 anos. A jovem, que pertence a uma família de parcos recursos, optou por fazer a pé o caminho de Ninho de Corvo até Chã de Mato para poupar o custo do transporte aos pais.

“Eles já se sacrificam tanto para me dar esta oportunidade. Foi por isso que escolhi ir a pé, para poupar, apesar do caminho ser maior e de, no Inverno, o escuro me fazer sentir bastante vulnerável”, explicou.

Ainda assim, a estudante disse que quer provar que o sacrifício valeu a pena e pretende ser professora de História.

“Eu carrego o sonho da minha família. Por eles e por mim vou lutar apesar das dificuldades”, afiançou.

Vários dirigentes políticos nacionais, com responsabilidade no sector, prometeram a construção de uma estrada para Monte Joana, mas já se passaram 18 anos desde Janeiro de 2007, data da primeira “promessa” de que temos registo, e o caminho de terra e pedra ainda não deu lugar ao asfalto prometido.

A ausência da prometida estrada aumenta o sacrifício de moradores e estudantes que, todos os dias, vencem montes e vales para chegarem à escola e ao trabalho.

O actual presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande, Armindo da Luz, prometeu trabalhar “afincadamente” junto do Governo no sentido da construção de uma estrada em Pinhão de Cima e Monte Joana.

O concelho da Ribeira Grande conta actualmente com cerca de 3.500 alunos no ensino básico e secundário, distribuídos por 31 escolas públicas, conforme o Relatório da Direcção da Educação.

Ainda assim, o transporte escolar cobre apenas algumas comunidades, sendo que várias ainda carecem de um serviço que facilite o acesso às instituições de ensino.

Dados de 2024, da Câmara Municipal da Ribeira Grande, mostram que o orçamento destinado ao transporte escolar aumentou 15 por cento (%) face ao período pré-pandemia da covid-19 “tentando dar resposta às comunidades mais isoladas”.

Mesmo assim, o caminho de muitos alunos continua a ser realizado a pé, sendo particularmente difícil nas comunidades do interior que carecem de estradas e de uma rede de transportes adequada às necessidades da população.

LFS/HF

Inforpress/Fim

 

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