*** Por Sandra Custódio, da Agência Inforpress ***
Cidade da Praia, 03 Jul (Inforpress) – A professora Arlinda Semedo, 88 anos e reformada há 33, de fala mansa e serena, lembra-se do seu tempo de docente, conta um pouco da sua vida, e diz que se voltasse a nascer seria professora novamente.
Natural de Santo Antão, residente na Praia há décadas, casada durante 64 anos, viúva há cerca de três, vive um dia de cada vez, com alegria dos filhos, uns fora do país e outros aqui, mas ao mesmo tempo com solidão e saudade, “um vazio” dentro dela, conforme conta, com a morte do marido, seu companheiro de uma vida inteira, mas a graça de Deus lhe bastará.
Menina do campo, Cordas de Simão, Ribeira Grande, onde o pai que era proprietário viveu, lembra-se que o lugar onde nasceu havia árvores de frutas de toda a espécie, a água corria na ribeira, escorria pelas rochas envolta ao campo cheio de flores.
“Era tudo uma maravilha. Flores, tudo mais. Nós vivemos lá … não consigo esquecer. Boas recordações, bons tempos”, conta.
Falamos da professora Arlinda Semedo, mãe de quatro filhos, três meninas e um rapaz, mais uma filha adoptiva, sendo Helena Semedo, a conhecida economista e política cabo-verdiana, actualmente directora adjunta da Organização de Alimentação e Agricultura (FAO), a mais velha, seguida de Lívia Maria, Júlia Armando, Ana Paula e Karina Conceição, a adoptiva e a mais nova de todos.
O rapaz é médico, vive em Portugal, a filha mais nova, engenheira, vive em França, a Lili, é assessora do primeiro-ministro, a Karine é também engenheira e trabalha na empresa Águas de Santiago (AdS).
É a primeira vez que a professora Arlinda se disponibiliza para uma entrevista a um órgão de comunicação social, embora tenha sido solicitada várias vezes e em diferentes ocasiões, mas recusou sempre, simplesmente por não gostar de se expor.
Entretanto, à Inforpress abriu excepção dando esse privilégio.
De voz mansa e serena, a professora de línguas portuguesa e francesa foi-se embalando nas suas lembranças, no seu percurso de vida, dos tempos que já lá vão.
Professora, com magistério primário e bacharelato de português e francês, Arlinda Semedo começou a trabalhar tinha 29 anos e reformado aos 55, tendo leccionado em muitos lugares, Santo Antão, Praia, no interior, em São Domingos, na escola da Variante, foi para o ciclo preparatório, também no Instituto Amílcar Cabral.
A professora que desempenhou também as funções de directora do Instituto Pedagógico, onde veio a aposentar-se, não ficou parada ou acomodada na sua zona de conforto.
Continuou a dar aulas, desta feita nas embaixadas, a estrangeiros, na Escola da Polícia e no Seminário São José, durante muitos anos, tendo instruído muitos padres, médicos e pessoas de outras áreas e classes profissionais.
“Agora não sei dizer bem como está a docência, a educação. Mas percebo que está completamente diferente. Nós usávamos bata branca. Os alunos de antes tinham um grande respeito pelos professores. Agora, acho que não é mais assim. Os professores também, antes, não sei… tinham uma melhor preparação, mais paciência…”, observou.
“Agora, por exemplo, quando oiço que grande parte dos alunos escreve e fala muito mal o português… fico triste”, lamentou, realçando que a amizade dos seus alunos foi o que mais marcou durante o tempo que leccionou, e se voltasse a nascer seria professora novamente”, referiu, Arlinda Semedo que aos 88 anos, tirando a saudade do marido, sente-se bem, gosta de conversar e rir.
“Gosto de coisas alegres. Nunca tive problemas com ninguém”, realçou.
Actualmente, como anda com problemas na coluna, passa muito tempo sentada, mas aproveita para ler, coser, fazer um bocadinho de crochê, para não ficar parada, sem fazer nada, já que conta com a empregada que trabalha com ela há 25 anos, cuida do comer e dos afazeres da casa, e outra que lhe faz companhia à noite.
“Leio muito, mas não gosto de livros policiais, vejo noticiários, telenovelas”, disse, a professora que também tem veia literária, tendo escrito vários contos inéditos, mas não sabe por onde param.
Lembra que numa ocasião um dos seus contos foi lido numa actividade denominada “Noite de Santo Antão”, no Instituto Amílcar Cabral.
Falando com carinho dos filhos e dos netos, a professora, que se casou aos 20 anos, celebrou as bodas de ouro com o marido em Veneza, cidade que sempre sonhou conhecer, tanto assim, conta, quando moça, no 5.º ano dos liceus todas as suas composições falavam sobre Veneza.
Nas suas visitas à Itália, andou de gôndola, visitou a sepultura do Papa João Paulo II, onde disse ter chorado muito e nem queria sair de lá, ao ponto de o guarda lhe pedir licença do sítio.
A gôndola é um tipo de embarcação tradicional da cidade de Veneza, na Itália.
Ela é conhecida por sua forma alongada e estreita, com uma proa alta e uma popa baixa.
As gôndolas são movidas por um gondoleiro, que utiliza um remo para navegar pelos canais da cidade, além de ser um meio de transporte, as gôndolas também são consideradas um símbolo da cultura veneziana e são muito populares entre os turistas.
“Bodas de ouro em Veneza, com toda a família. Foi muito bonito, com bênção papal, do Papa Bento XVI. Foi uma missa muito bonita. Adorei Veneza. Realizei o sonho de conhecer aquela cidade italiana… foram momentos inesquecíveis”, recorda com alegria estampada no olhar.
Sublinhou ainda que foi também agraciada com as bênçãos do Papa Francisco, quando completou 80 anos, tendo também conhecido o Papa João Paulo II aqui na Praia.
Viajou muito na companhia do marido, conheceu vários países, mas ficou para trás a vontade de conhecer os Estados Unidos da América, porque o marido nunca quis ir, conforme disse, e agora também já não lhe apetece viajar, quando muito Portugal, onde sempre vai.
Ao lançar um olhar para trás, do Cabo Verde antes e agora, a professora comentou, balançando a cabeça, como que num gesto de lamento.
“Agora, vê-se muita arrogância, muita maldade. Coisas que antes não aconteciam e que agora quase que fazem parte do dia a dia. Pessoas que matam a facada, tiro e tudo. Antes não se falava nisso. As pessoas querem enriquecer, há um correr pelo ter, muita vaidade… Não sei o que é que está a acontecer. Tudo isso está a dar cabo do mundo”, lamentou.
A professora conclui desejando que tudo corresse bem, que as pessoas fossem boas, que se ajudassem umas às outras, não houvesse maldade, essa turbulência pelo mundo, as guerras, tudo isso.
“Gostaria que a vida voltasse a ser serena como era antigamente”, finalizou.
SC/AA
Inforpress/Fim
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