Lisboa, 19 Jun (Inforpress) – Médicas cabo-verdianas responsáveis por diferentes áreas hospitalares destacaram hoje, em Lisboa, os desafios enfrentados por Cabo Verde no combate à doença falciforme, apresentando uma série de dificuldades em termos de diagnóstico e tratamento da doença.
A directora do Serviço do Banco de Sangue do Hospital Universitário Agostinho Neto (HUAN), Linette Andrade, a coordenadora do Programa Nacional de Segurança Transfusional no Ministério da Saúde e responsável do Banco de Sangue do Hospital Baptista de Sousa, Conceição Pinto, e a coordenadora do Programa da Medicina Geral Familiar, Cláudia Oliveira, partilharam esses desafios na 1ª Conferência Internacional sobre a “Doença falciforme nos países da CPLP”, que decorre na sede da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Linette Andrade falou sobre a situação na ilha de Santiago que acolhe metade dos quase 500 mil habitantes de Cabo Verde, mencionando a ausência de um estudo de prevalência da doença, mas realçou que desde 2019, o Banco de Sangue do HUAN tem realizado testes de falciformação em todos os doadores, tendo registado uma prevalência de 4 por cento (%) entre cerca de cinco mil doadores.
“Os doentes, para serem diagnosticados, têm suas amostras enviadas para Portugal, na maioria dos casos através de serviços privados”, afirmou a médica, ressaltando a inexistência de uma política de saúde específica para a doença falciforme e a falta de técnicas avançadas de diagnóstico no país, como a eletroforese e HPLC.
A médica Linette Andrade também abordou as dificuldades no tratamento e profilaxia, contando que embora o país disponibilize hidreia gratuitamente para os mais carenciados, “há constantes rupturas de estoque”, deixando o país sem o medicamento por três meses, actualmente,
“Temos a penicilina, mas em relação à vacinação, duas vacinas fundamentais não constam na lista do Programa Nacional de Vacinação e no calendário de vacinação, que é a antipneumocócica e a antimeningocóciga”, indicou.
Por sua vez, Conceição Pinto expressou a sua preocupação com a alta prevalência de anemia em mulheres em idade fértil e crianças, especialmente na ilha de Santiago, sugerindo que muitos desses casos poderiam ser de falciforme não diagnosticados, além de destacar a influência da imigração no aumento de casos da doença.
“Temos imigração de quase todos os países do continente africano para as ilhas turísticas do Sal e da Boa Vista, e é natural que entre esses imigrantes haja portadores da doença falciforme”, explicou, relatando a sua experiência na Boa Vista, onde diagnosticou duas crianças com anemia em uma semana.
Já a coordenadora do Programa da Medicina Geral Familiar, Cláudia Oliveira, em representação da ministra da Saúde, Filomena Gonçalves, enfatizou a necessidade de um plano estratégico específico para a anemia falciforme.
“Temos que começar pelo diagnóstico, incluindo diagnóstico pré-natal e neonatal, e triagem perinatal”, afirmou a médica, destacando a importância de formação contínua para profissionais de saúde, tanto médicos quanto não médicos, para melhorar a detecção precoce e correta da doença.
Cláudia Oliveira defendeu ainda a inclusão da falciforme nos diversos programas de saúde, como os de saúde infantil e reprodutiva, além dos programas de doenças crónicas não transmissíveis.
A conferência em celebração ao Dia Internacional da Anemia Falciforme visa aumentar a consciencialização, partilhar estratégias e dificuldades, e fortalecer a cooperação lusófona no âmbito desta doença.
O evento é organizado pela Associação Portuguesa de Pais e Doentes com Hemoglobinopatias, pela Associação Lusófona de Especialistas para a Doença Falciforme, pelo St. Jude Children’s Research Hospital e pela CPLP e reúne e representantes da Organização Mundial de Saúde (OMS) e especialistas dos ministérios da Saúde da CPLP.
A anemia falciforme é uma doença genética caracterizada por uma alteração na estrutura dos glóbulos vermelhos que pode causar dores intensas, infecções frequentes e complicações graves em diversos órgãos.
A doença afecta milhões de pessoas em todo o mundo, predominantemente na região da África Subsariana e, apesar de não ter cura acessível, com a devida assistência os doentes podem viver além dos 50 anos, mas sem o tratamento, a maioria não chegam aos 5 anos.
Apesar de ser a 12ª causa de morte abaixo dos 5 anos em todo o mundo, os especialistas afirmam que a doença permanece negligenciada em termos de financiamento para investigação, acesso a tratamento e políticas de saúde pública.
DR/CP
Inforpress/Fim
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