***Por: Sandra Custódio, da Agência Inforpress***
Cidade da Praia, 03 Out (Inforpress) – Madalena Tavares traz à memória o seu tempo de menina e moça, considerando-se uma mulher forte, resistente, transparente e directa, realçou neste seu percurso de vida a sabedoria acumulada e os 50 anos de exercício do voluntariado.
Natural da ilha do Sal, filha de Augusto António Tavares e Júlia Rosa Araújo, Maria Madalena Tavares, que se diz uma pessoa transparente, directa, que gosta da verdade e lealdade, dividiu a sua infância e toda a sua juventude entre o Sal, São Vicente e, mais tarde, Praia e Portugal, quando foi para lá estudar.
A “menininha de Sal” disponibilizou-se para falar um pouco de si, nesta entrevista à Inforpress, numa conversa mais intimista, relaxadamente, num dos restaurantes desta urbe, embalando-se nas suas vivências do passado e presente, de forma descontraída.
Guarda boas memórias da infância, recordando que na altura, os meninos e meninas eram todos amigos uns dos outros, brincavam ao ar livre, faziam roda, ouviam histórias contadas pelos pais e avós, entre outros entretenimentos da época.
“Foi uma infância muito feliz. Também me lembro que os nossos brinquedos eram muito especiais, muitas vezes, usando até os frutos da terra. Eu, por exemplo, costumava usar aquela pedra branca, calcária, para fazer os meus bolos e depois decorava-os com as florzinhas da acácia”, reviveu.
Madalena Tavares, que se lembra de ter sido uma “menina rebelde” quando criança, usando a rebeldia como autodefesa, estudou na escola do Morro Curral com a professora Olga, mas a primeira e a segunda classe em Pedra de Lume, com o professor Cai Ribeiro, a quarta classe e a admissão em São Vicente.
“Como tinha muitas sardas e na altura eram poucas as pessoas sardentas, os rapazes brincavam comigo, sofria muito “bullying”, não era fácil conviver, não se aceitava facilmente o diferente, havia uma espécie de perseguição… então usava a rebeldia como autodefesa. Mas foi uma infância muito feliz", comentou.
Conta também que a sua juventude foi tranquila, com a educação rigorosa dos pais daquele tempo, as mães com os cuidados próprios preparando as meninas para a defesa pessoal, por causa dos namorados (risos), nesta fase foi estudar em São Vicente, onde fez o ensino secundário até o 7.º ano, e seguiu depois para Portugal para continuar os estudos.
“O meu pai era uma pessoa muito curiosa. A minha mãe era analfabeta, só sabia escrever o seu nome, mas uma mulher de pulso, uma mulher ‘poderosa’, dominava a economia doméstica, a economia global e tinha noção dos seus direitos”, disse.
Mãe de três filhos, dois rapazes e uma menina, Madalena Tavares que foi casada durante 15 anos, mas acabou por se divorciar, dá graças a Deus por sempre procurar desempenhar o seu papel de mãe com os poderes que a mulher tem, isto é, de protecção, observação e de alguma liberdade.
Confessa que não quis mais saber de homem algum, embora admita que é bom ter um companheiro, mas preferiu ficar sozinha, criar os filhos, dispensando-lhes amor e carinho, porque tem a sua maneira de encarar o mundo e, por outro lado, tinha uma vida profissional “um pouco absorvente”, dedicando bastante tempo também ao serviço do voluntariado.
“Exerci a minha maternidade com muita responsabilidade. Muita responsabilidade mesmo. Sou uma mulher eternamente apaixonada, aprecio a natureza, assim como uma boa figura masculina, não só no seu aspecto físico, mas também moral e intelectual”, revelou.
Formada em Serviço Social, mas no terceiro ano de curso, por altura da independência, teve de interromper os estudos no 3.º ano para integrar a equipa docente no Externato, no Sal, respondendo assim ao convite do seu professor Olavo Moniz a quem muito apreciava.
“Não me arrependi. Tenho boas recordações. O professor Olavo Moniz é uma figura ligada ao ensino em Cabo Verde que deixou marcas profundas, mas não se fala nele”, lamentou, lembrando-se também do professor Baltazar Lopes que foi seu professor de francês, literatura portuguesa e latim, e de António Aurélio Gonçalves seu professor de história.
“Tive a sorte de conviver com esses grandes professores de quem tenho boas memórias e guardo belíssimas recordações”, manifestou, recordando algumas histórias, inclusive que ela Madalena era uma pessoa muito emotiva e chorona.
Trazendo um pouco à memória o seu percurso de vida, Madalena Tavares foi professora do ciclo preparatório, também do liceu, delegada dos Assuntos Sociais, delegada do Instituto de Apoio ao Imigrante, por dez anos, presidente e uma das mentoras da Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV).
Também, presidente do Instituto da Condição Feminina (ICF), na promoção da mulher, deputada da Nação, membro da direcção da Fundação Infância Feliz e coordenadora de projectos, sem esquecer a sua história com a Cruz Vermelha de Cabo Verde, realçou com orgulho, os seus 50 anos no exercício do voluntariado em várias áreas.
“Exerci o voluntariado durante 50 anos com amor, vontade e dedicação, em todos os domínios. Ter a oportunidade de fazer voluntariado é uma das melhores coisas para se relacionar com o outro e ver o outro lado da pessoa. Ter um espírito solidário, ver as necessidades não só materiais, mas humanas… entrar na alma das pessoas”, exteriorizou, lembrando vários episódios, coisas horríveis, quadros indescritíveis e comoventes que ainda hoje guarda na memória.
Pulando agora essa parte, a Dona Madalena que nos anos 70, jovem ainda, chegou ao Sal na época colonial com penteado afro, estilo que lhe poderia causar problemas com a PIDE, se descreve como mulher de todos os tempos.
“Sou uma mulher do meu tempo e de todos os tempos. Que viveu o feminismo, os problemas, o desenvolvimento e os desafios nas questões do género”, referiu.
Hoje aos 74 anos disse que a vida lhe ensinou muita coisa, embora nem sempre se experimenta ou se vive aquilo que se idealiza, mas há que ter “traquejo” e se adaptar à época e circunstâncias.
“Você tem de saber que nem tudo é sorriso. Com sorrisos também pode vir uma lágrima, mas ter sempre presente os valores, o carácter, a maneira de ser e estar, e não apenas o ter”, manifestou.
“Não dou muita importância ao ter. Saber estar e ser, são aspectos fundamentais. A vida ensinou-me que as aparências podem, muitas vezes, iludir o mundo de quem está a observar. A vida ensinou-me a saber observar o mundo”, contemplou.
Ao recordar alguns passos da sua existência, Madalena Tavares conta que a vida académica, viver a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974, em Lisboa, participar em algumas reuniões clandestinas, viver a Independência de Cabo Verde, foram momentos “muito marcantes” da sua história.
“Costumo dizer que Cabo Verde deve muito às suas assistentes sociais, ao pessoal da área social. Porque sair da pobreza não foi fácil. Evacuar um doente não foi fácil. Eu sei aquilo que passei para trabalhar num processo de evacuação de doentes. Hoje a evacuação é mais simples”, referiu, reconhecendo as boas memórias também daquilo que foi construído, a todos os níveis, na educação, saúde e outras áreas.
Com uma vida um pouco reservada, Madalena Tavares gosta de dançar e ouvir boa música, mas não vai a bailes, sai de vez em quando com as amigas para tomar um café, almoçar ou jantar, assistir a um lançamento de livro e assim se distrai um pouco, fugindo à rotina diária.
Autora da obra “A Outra Janela” e co-autora da colectânea de Contos e Poemas Aulil, Madalena Tavares dedica-se muito à escrita e leitura, também gosta de cozinhar e assume o seu lado doméstico a cem por cento, mas nesta fase de vida, há trabalhos que a sua saúde e compleição física, naturalmente, já não permitem.
Arroz de marisco, um bom bacalhau, uma boa feijoada, cachupa… esta última comida já não faz porque dá trabalho (risos), são os seus pratos preferidos, além de ter uma paixão por doces.
“Eu sei que um dia vou morrer, de certeza ficarei na memória de alguns, não de todos, se com boas recordações ou não, também não sei. Apelo aos jovens para serem livres, mas com responsabilidade. E, à mulher, que ela saiba, efectivamente, reconhecer o seu percurso, ir além e se tornar eternamente presente em todos os sítios”, concluiu.
SC/HF
Inforpress/Fim
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