Independências: Visão "estreita e conservadora da diplomacia" portuguesa apressou fim do império colonial - historiador

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Independências: Visão "estreita e conservadora da diplomacia" portuguesa apressou fim do império colonial - historiador
26/10/25 - 01:20 pm

Lisboa, 26 Out (Inforpress) – O tenente-coronel do Exército Pedro Marquês de Sousa, autor do livro “Os Números na Guerra de África”, considera que “a visão estreita e conservadora da diplomacia portuguesa foi suicida e precipitou o início do fim do império” colonial.

Em depoimento escrito à agência Lusa, Pedro Marquês de Sousa defende que “a História, deve servir como um instrumento, para a política e a diplomacia prepararem o futuro, pelo que o problema colonial português, sentido em 1961 em Angola, na Índia e até internamente com a dissidência do general Botelho Moniz (abrilada de 1961), mostram como o isolamento de Portugal e a teimosia política, abriram o caminho à longa crise entre 1961 e 1974”.

No seu livro, editado pela Guerra e Paz em 2021, Pedro Marquês de Sousa escreve que “a questão colonial revelou-se o maior problema de um regime político que acabou isolado no sistema internacional, sem o apoio dos seus aliados, criticado pela ONU e até pela Igreja [Católica] em Roma”.

“Além do plano político e diplomático, mesmo a História Militar conhecida naquela época podia ter servido para prever que uma guerra com aquelas caraterísticas, (guerrilheiros ‘versus’ um exército regular de serviço militar obrigatório) não teria um desfecho favorável, como mostram muitos outros casos anteriores”, explica, no depoimento.

No seu livro, Pedro Marquês de Sousa, membro do conselho científico da Comissão Portuguesa de História Militar e conselheiro científico do Museu Militar de Lisboa, remete para 10.409 mortos no total entre as Forças Armadas portuguesas: 9.638 do Exército, 511 da Força Aérea e 260 da Marinha.

A estes somam-se ainda cerca de 6.200 vítimas civis do lado português e 28.226 mortos entre os movimentos de libertação.

A urgência de efectivos para combater em defesa do regime nos três teatros de operações (Guiné, Angola e Moçambique) leva a que o período entre 1961 e 1974 tenha ficado “marcado na história de Portugal pelo extraordinário e inédito esforço de recrutamento e de mobilização de milhares de militares (…) a distâncias intercontinentais”.

“Nunca em Portugal se tinha realizado um processo de recrutamento e mobilização com a dimensão daquela que aconteceu durante o período da guerra em África (1961-1974), com grandes implicações sociais e económicas, desde o aumento da emigração até ao impacto nas contas do Estado”, acrescenta, no livro.

Pedro Marquês de Sousa considera que o regime colonial acentuou, no processo de recrutamento e mobilização, a “desigualdade social” que caraterizava a sociedade portuguesa de então.

“A realidade de uma sociedade muito desigual, na metrópole, acabou por se projectar também na actividade militar, especialmente num Exército em que as unidades de combate (Companhias) eram 99% constituídas por homens do serviço militar obrigatório”, destaca.

Para apresentar os números que cita no seu livro, Pedro Marquês de Sousa baseou-se nos relatórios militares portugueses, mas alerta que esses dados “devem ser vistos com sentido crítico”.

“Estes documentos militares portugueses, tinham naturalmente a marca política e até da cultura militar dos comandantes, que procuram relatar mais os seus méritos do que as falhas (ou as dificuldades que por razões culturais, não apresentam aos superiores) e por isso eu refiro que sobre as baixas dos movimentos independentistas e, no caso das baixas civis, é mais difícil ter dados seguros, pois não temos os relatórios do lado dos movimentos que, se existissem, também teriam certamente imprecisões e a marca política dos seus lideres”, frisa.

Pedro Marquês de Sousa quantifica que durante o período de guerra em África “foram empenhados nas três frentes cerca de 800 mil militares portugueses, dos quais cerca de 70% eram oriundos de Portugal continental, Açores e Madeira e 30% eram do recrutamento local”.

O total de jovens que recusaram fazer o serviço militar (compelidos, refratários, faltosos e desertores) foi de cerca de 230 mil.

Durante o período da guerra, verificou-se um extraordinário aumento da emigração.

Entre 1933 a 1945, aquele número foi 115.049, entre 1946 e 1959, o valor aumentou 28.600 e no período da guerra disparou para mais de um milhão: 1.465.435.

Em termos de despesa, segundo os valores actuais, a guerra em África terá custado ao estado português mais de 24 mil milhões de euros.

O conflito, que chegou a representar 6% do Produto Interno Bruto, levou o regime a lançar novos impostos, a contrair empréstimos e até a vender divisas e reservas de ouro, salienta Pedro Marquês de Sousa no seu livro.

Relativamente aos movimentos de libertação, o autor fixa em 11 mil o total de combatentes do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, 4.500 a 5.000), da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA, 6.000) e da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, 500), enquanto na Guiné, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e milícias dispunham de 8.000 efectivos e em Moçambique o agregado da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e milícias foi de 8.500.

Inforpress/Lusa

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