*** Por Luís Carvalho, da Agência Inforpress ***
Cidade da Praia, 19 Jul (Inforpress) – A viúva de Amílcar Cabral diz que, se o marido estivesse vivo, estaria hoje satisfeito com o desenvolvimento de Cabo Verde depois da independência, mas que o mesmo não pode afirmar em relação à Guiné-Bissau.
“Aqui [em Cabo Verde], tudo calmo, não houve confusões, como houve noutros países. De maneira que eu acho bastante razoável. Claro que se podia fazer melhor”, frisou Ana Maria Cabral em entrevista à Inforpress, a propósito dos 50 anos da independência nacional comemorado no passado 05 de Julho.
Recordou que antes da independência muita gente morreu de fome, porque não havia comida, enquanto hoje não se coloca este problema.
“Não havia muitas ligações entre as ilhas, que agora já está muito melhorada, embora ainda não seja o ideal”, indicou a entrevistada da Inforpress, para quem nos últimos 50 anos a situação dos cabo-verdianos “melhorou bastante”.
Para Ana Maria Cabral, o marido, enquanto agrónomo, estaria satisfeito em relação a muitas coisas que têm sido desenvolvidas no ramo da agricultura e segundo ela, Amílcar Cabral teria dado bastante contribuição para o desenvolvimento do sector.
“Ele [Amílcar] deveria estar mesmo satisfeito com as barragens que se construíram aqui em Cabo Verde”, indicou a fonte da Inforpress.
Ana Maria Cabral não tem dúvidas de que a independência de Cabo Verde valeu a pena, “numa altura em que muitos duvidavam da sobrevivência do país, enquanto Estado independente”.
Conta a história de uma vez ter viajado, a partir da cidade da Praia até Lisboa, na companhia de um cidadão estrangeiro, cuja conversa ao longo da viagem não foi outra coisa, senão dizer que Cabo Verde independente não tinha hipótese de sobreviver e que o melhor para o país era juntar-se a um outro Estado, nomeadamente o Senegal.
“Infelizmente eu não tomei o endereço dele, porque hoje gostaria de lhe escrever e dizer: ‘olha, afinal, a sua previsão não deu certo, porque Cabo Verde está a sobreviver mesmo’”, comentou Ana Maria Cabral, que gostaria de enviar a este cidadão fotos das barragens construídas depois da independência.
Revela que, na altura, ficou tão “furiosa” pela forma como aquele se referia ao arquipélago e só queria que chegassem ao destino o quanto antes.
Hoje, contrariando os cépticos, Cabo Verde é um país de rendimento médio alto e Ana Maria Cabral pergunta: “Está a ver como as coisas estão?”
“Os dirigentes dos diversos governos havidos em Cabo Verde têm trabalhado bastante para que este país continue de pé”, declarou, acrescentando que as pessoas podem criticar que isto ou aqueloutro podia ter sido feito melhor, mas que há que reconhecer os esforços envidados.
Instada se Cabral estaria satisfeito com o nível de desenvolvimento da Guiné-Bissau, país que ajudou a libertar-se do jugo colonial, respondeu que “não muito”.
“Houve muita confusão, golpes de Estado, uma guerra civil, eu acho que ele estaria mesmo consternado com o que está acontecendo na Guiné-Bissau”, declarou a antiga embaixadora da Guiné e Cabo Verde na antiga República Democrática de Alemanha (RDA), que, entretanto, se mostra esperançosa de que melhores virão para este país da África Ocidental.
Nas suas palavras, Guiné-Bissau é um país diferente de Cabo Verde, chove bem, não tem montanhas, e, por isso, “não se compreende porque as coisas não estão aí bem”.
Ana Maria Cabral não se alinha na tese de que o marido é lembrado apenas nos dias feriados nacionais, com deposição de coroas de flores.
“Não, eu não partilho desta opinião. Acho bem que se vá depositar uma coroa de flores, já que se fez uma estátua, um memorial de Amílcar Cabral”, asseverou Ana Maria Cabral, lamentando que as obras do Amílcar sejam muito mais estudadas lá fora do que em Cabo Verde.
“Até em certas universidades o pensamento dele [Cabral] é estudado e debatido muito bem”, assinalou Ana Maria.
Conforme disse, em Cabo Verde, ninguém se lembra de publicar as obras de Amílcar Cabral, senão a Fundação que sustenta o nome do pai da nacionalidade cabo-verdiana.
Defende que Cabral devia ser melhor estudado em Cabo Verde e deplora que muito pouca gente e poucas universidades estudam, estudam o pensamento de Amílcar Cabral.
Acompanhou o marido em algumas deslocações ao estrangeiro, nomeadamente a que fez, em 1972, quando Amílcar Cabral visitou a Coreia do Norte.
Perguntada como era Cabral nestas visitas, respondeu: “Ele era uma pessoa extremamente curiosa, queria sempre saber o que é que eles fizeram, como é que o país está tão desenvolvido, e que não fizeram”.
“Portanto, ele [Cabral] gostava sempre de saber mais, de conhecer mais dos outros, quando íamos à terra deles”, revelou a combatente da liberdade da pátria, acrescentando que a visita à Coreia do Norte foi uma “coisa fantástica”, por se tratar, de acordo com as suas palavras, de “um pequeno país onde a base da alimentação é o arroz, como na Guiné”.
A 20 de Janeiro de 1973, Ana Maria assistiu ao assassinato do marido por um grupo de militantes do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Trata-se de uma data que lhe marcou por toda a vida, conforme ela própria confessa.
“Estávamos a chegar à casa, vínhamos de uma recepção numa embaixada europeia e, quando chegamos, a casa já estava toda cercada por aqueles bandidos todos”, relata Ana Maria, reiterando que insurretos queriam amarrar o Cabral e levá-lo para um barco porque estavam em negociações com os colonialistas portugueses.
Mais tarde, acrescenta, leu uma entrevista do general Spínola, em que ele afirmava que queria Cabral, Aristides Pereira, os principais dirigentes do PAIGC, na altura.
“O Amílcar saiu do carro, começaram a querer amarrá-lo, que era para o levar para um daqueles barcos. E o Cabral disse: ‘Os colonialistas é que gostavam de amarrar a nossa gente, a mim ninguém me amarra. Prefiro que me matem. É contra amarrar as pessoas que nós estamos a lutar’”, conta a viúva.
Diante da reacção do líder do PAIGC, um dos assassinos disparou dois tiros no abdómen, Cabral caiu, mas continuou sempre a falar, segundo relatos da Ana Maria.
“Os portugueses ainda não saíram da nossa terra, como é que vocês estão fazendo essas coisas dessas? Os tiros servem para matar os tugas e não entre nós”, salientou Ana Maria Cabral, apontando que os vizinhos, ao ouvirem tiros, saíram à rua para saberem sobre o que estava a acontecer.
Relatos da Ana Maria confirmam que Cabral morreu no próprio local, ou seja, frente da casa onde moravam.
Sobre quem teria ganhado com o assassinato do Cabral, a entrevistada da Inforpress foi peremptória que ninguém ganhou.
“Ninguém ganhou, nem os colonialistas na época, porque com o Cabral, eles poderiam entrar em um acordo para a guerra terminar”, garantiu, concluindo que o governo português, na altura, estava aflito porque não sabia como resolver o problema de guerras em três frentes: Guiné-Bissau, Angola e Moçambique.
Recorda que os militares que lideraram o 25 de Abril, que culminou com a queda do governo fascista português, estiveram nos referidos países africanos de língua oficial portuguesa.
“Os militares já não queriam ir lutar por uma terra que não era deles, que não conheciam”, acentuou Ana Maria Cabral.
LC/CP
Inforpress/Fim
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