Cerca de 700 mil crianças em Gaza sem escola pelo terceiro ano letivo consecutivo

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Cerca de 700 mil crianças em Gaza sem escola pelo terceiro ano letivo consecutivo
04/09/25 - 09:15 pm

Nações Unidas, 04 Set  (Inforpress) - Cerca de 700 mil crianças em Gaza ficarão sem acesso ao ensino pelo terceiro ano letivo consecutivo, que deveria arrancar esta semana no enclave palestiniano arrasado pela guerra, indicou hoje a UNICEF.

Numa conferência de imprensa virtual a partir da Faixa de Gaza, a porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para o Médio Oriente, Tess Ingran, indicou que o número total inclui as mais de 50 mil crianças que deveriam ter tido esta semana o seu primeiro dia de aulas e várias crianças que já deveriam ter concluído o ensino, mas não tiveram essa oportunidade devido à guerra que eclodiu no enclave em outubro de 2023.

"Quando falo com crianças em Gaza, costumo perguntar: 'Quando tudo isto acabar, o que mais querem fazer de novo? Vão dançar? Vão cozinhar?' Na maioria das vezes, dizem-me: 'Não, quero estar na escola. Quero voltar para as aulas, para os meus amigos, para os meus professores'", relatou.

A UNICEF, juntamente com organizações parceiras, está a montar centros de aprendizagem temporários em toda a Faixa de Gaza, contando com cerca de 90 neste momento.

Nesses centros são oferecidas aulas de árabe, ciências e matemática, mas Tess Ingran frisou que o cariz dos mesmos é temporário e que as aulas não duram uma semana escolar completa.

"Precisamos mesmo de voltar a ter uma educação formal para estas 700 mil crianças que estão a perder" o acesso à educação, defendeu a porta-voz.

Além da questão do ensino, a representante da UNICEF focou o seu testemunho na subnutrição e na fome que estão a enfraquecer os corpos das crianças de Gaza, um lugar "onde a infância não consegue sobreviver".

"É uma cidade de medo, fuga e funerais. (...) O impensável não está iminente - já está a acontecer", assegurou, referindo-se à escalada na situação dramática que as famílias palestinianas enfrentam.

"A fome estava em todos os lugares que olhei na Cidade de Gaza", disse.

A ONU declarou a fome na província de Gaza no mês passado, a primeira vez no Médio Oriente, e alertou que a situação deverá alargar-se às províncias de Deir el-Balah (centro) e Khan Yunis (sul) até ao final de setembro.

O Governo israelita negou a existência de fome em Gaza.

Contudo, segundo relatou Tess Ingran, basta passar uma hora numa clínica de nutrição de Gaza para apagar qualquer dúvida sobre a existência de fome.

Salas de espera cheias, pais em lágrimas, crianças a lutar contra o duplo golpe da doença e da subnutrição, mães que não conseguem amamentar, bebés a perder a visão, o cabelo e a força para andar são alguns dos aspetos relatados pela representante da UNICEF.

 

Uma tigela por dia, quase sempre lentilhas ou arroz, partilhada entre a família, com os pais evitarem a comida para que as crianças possam comer, é a realidade que os palestinianos enfrentam, contou ainda Ingran.

Os horrores em Gaza arrastam-se há tanto tempo que algumas crianças estão a regressar às urgências ou a sofrer recaídas poucas semanas após terminarem o tratamento para a subnutrição, devido à contínua falta de alimentos, água potável e outros mantimentos essenciais, denunciou a porta-voz.

"Sem acesso imediato e alargado a tratamentos alimentares e nutricionais, este pesadelo recorrente irá agravar-se e mais crianças morrerão de fome. Um destino totalmente evitável", declarou ainda Tess Ingran.

Também os hospitais da Cidade de Gaza atingiram há muito o limite. 

Dos 11 hospitais que ainda funcionam parcialmente, apenas cinco dispõem de unidades de cuidados intensivos neonatais. 

"As 40 incubadoras, em conjunto, estão a funcionar até 200% da sua capacidade, o que significa que cerca de 80 bebés estão a lutar pela vida em máquinas sobrelotadas, totalmente dependentes de geradores e de material médico que pode acabar a qualquer momento. Como sobrevivem a uma ordem de evacuação?", questionou a porta-voz.

"As crianças estão a ser mortas ou mutiladas enquanto dormem, quase todas as noites", acrescentou.

 

Face a este cenário, a UNICEF voltou a apelar a Israel para que permita a entrada de ajuda suficiente em Gaza e o acesso seguro e consistente para que os agentes humanitários levem assistência vital às famílias, onde quer que estejam.

Por fim, apelou também à comunidade internacional para que utilize a sua influência para acabar com a guerra.

"O custo da inação será medido pelas vidas de crianças soterradas em escombros, devastadas pela fome e silenciadas antes mesmo de terem a oportunidade de falar. O impensável na Cidade de Gaza já começou", concluiu Tess Ingran.

Lusa/Fim

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