Fogo: Zonas altas precisam de “investimentos estruturais” para potencial agropecuário inexplorado

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Fogo: Zonas altas precisam de “investimentos estruturais” para potencial agropecuário inexplorado
19/07/25 - 10:11 am

São Filipe, 19 Jul (Inforpress) - A encosta da Serra, com o seu relevo acidentado e condições agroecológicas singulares, continua a enfrentar grandes desafios no sector agropecuário, apesar do seu vasto potencial produtivo, defendem as autoridades e a população.

As autoridades locais, técnicos do sector e a própria população que participaram no fórum "50 anos da independência: o futuro do agropecuário em Cabo Verde", promovido sexta-feira pela Associação Ka Djidja, no quadro da IV edição da Festa do Queijo de Monte Grande apelam por “investimentos estruturantes”, modernização agrícola e políticas inclusivas para garantir o desenvolvimento sustentável da região.

O delegado do Ministério da Agricultura e Ambiente (MAA), Estevão Fonseca, destaca que as zonas altas da ilha, situadas entre os 1.500 e 1.800 metros de altitude, são “altamente” favoráveis à produção agro-silvopastoril.

“Estamos a falar de áreas férteis, com nascentes e microclimas diversos, ideais para o cultivo de feijão congo, milho, frutas como uvas e outras, e produção de pastos. Essas condições, aliadas a uma boa gestão, podem transformar essas comunidades em polos de desenvolvimento agrícola e turístico”, defendeu Estevão Fonseca durante o fórum. 

O delegado do MAA advoga ainda que o aproveitamento da encosta da Serra, tal como ocorre em Chã das Caldeiras, poderia gerar emprego, fixar jovens no meio rural e promover produtos de nicho com elevado valor acrescentado.

O responsável acredita que o turismo rural pode ser um aliado estratégico, criando sinergias entre produção agrícola e oferta gastronómica, reforçando o posicionamento da ilha como destino de natureza.

Entre os investimentos para o aproveitamento de todas as potencialidades apontou a construção daquilo que chamou da terceira circular, acima dos 1.500 metros de altitude.

Sublinhou que este projecto “será vital para aproveitar a produção agrícola em larga escala, sobretudo de leguminosas e frutíferas, contribuindo também para o desencravamento de zonas produtivas da ilha”, assim como a produção em grande escala e pastos.

Eugénio Veiga, antigo presidente da câmara de São Filipe, partilha da mesma visão e afirmou que “hoje em dia, muitos agricultores/criadores perdem mais tempo na caminhada para recolha de pastos do que no próprio desenvolvimento da actividade”. 

O antigo autarca de São Filipe defendeu que é preciso melhorar o acesso à encosta da Serra com a construção de acesso e desencravamento da Serra com um troço a partir de Cabeça Fundão para permitir práticas sustentáveis de agricultura e pecuária na encosta da Serra, além de outras actividades. 

Eugénio Veiga alertou ainda para a urgência de uma política inclusiva e coesa, que evite o êxodo rural e a migração interna.

“Não podemos continuar a concentrar o desenvolvimento apenas nas zonas urbanas. As comunidades rurais têm de ser integradas no processo de crescimento nacional”, disse.

Já o vereador da câmara de São Filipe António Cula Monteiro destacou a necessidade “urgente” de resolver questões como a conectividade e o acesso ao crédito.

“Temos solo fértil e produtos com grande valor, mas se não conseguimos escoá-los ou obter financiamento com facilidade, os agricultores ficam desmotivados”, disse o vereador que defendeu a criação de linhas de crédito específicas para o sector agropecuário, com menos burocracia.

“As instituições bancárias não podem continuar a tratar os projectos agrícolas como qualquer outro tipo de investimento. O sector precisa de estímulos diferenciados para não afugentar os que querem investir nesta área económica”, disse. 

Os próprios agricultores e criadores da Encosta da Serra reforçam o apelo por uma estrada de acesso.

“Não exigimos uma estrada asfaltada, mas sim uma estrada de acesso que permita o desencravamento para exploração das terras, escoamento da produção e o transporte de  insumos”, disse um agricultor que lembrou que Serra é uma riqueza porque produz, no regime de sequeiro, fruteiras, feijões, pastos, além de possuir espécies endémicas que poderiam ser melhor exploradas.

Os criadores apontaram falhas no actual sistema de crédito, que não contempla as especificidades do sector agropecuário e defendem que o acesso ao financiamento deveria ser facilitado, com condições adaptadas à realidade do próprio sector.

Com a indisponibilidade de construir barragens de grande porte, o antigo presidente da edilidade de São Filipe propõe alternativas como construção de diques nas ribeiras, dessalinização da água do mar e retenção de águas pluviais. 

Já o delegado do MAA sublinhou a necessidade de se inovar e apostar em tecnologias de irrigação mais eficientes, como o sistema gota a gota, e aumentar as áreas com estufas, porque mesmo havendo mais disponibilidade de água ela não chega a todos os que precisam para agricultura em quantidade desejada.

Os participantes do fórum têm opiniões convergentes de que a ilha do Fogo, com as suas particularidades geográficas, culturais e ecológicas, tem todas as condições para se tornar uma referência nacional na produção agropecuária sustentável.

Para isso, é “urgente” implementar uma estratégia integrada, com investimento em infraestruturas, acesso a crédito, mobilização de água e promoção de produtos de valor acrescentado para travar o êxodo rural e garantir uma economia mais inclusiva e resiliente.

A quarta edição da Festa do Queijo termina hoje, 19, no espaço da Associação Ka Djidja com uma série de actividades como café tradicional, feira agropecuária, concurso “maior buli di leti” (maior cabaça de leite, em português), concurso “melhor queijo 2025”, entrega de certificados, espectáculo com música tradicional.

JR/JMV

Inforpress/Fim

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