Cidade da Praia, 11 Jun (Inforpress) - Em Porto Mosquito, comunidade piscatória da Ribeira Grande (Santiago), pescadores e peixeiras, reformados e no activo, relataram à Inforpress a dura realidade da pesca, hoje marcada por escassez de recursos, dificuldades económicas e falta de apoio institucional.
Durante uma deslocação ao local, a equipa da Inforpress recolheu vários testemunhos que denunciam a queda acentuada da pesca artesanal, associada à presença crescente de embarcações estrangeiras nos mares cabo-verdianos, à degradação de equipamentos, à falta de apoio técnico e às dificuldades na comercialização do pescado.
Jorgina Mendes, antiga peixeira, relembra os tempos em que a oferta de peixe era farta e o trabalho rendia.
“A pesca de uma vez e a pesca de hoje em dia é totalmente diferente. Uma vez, o peixe era muito mais e agora é pouco e mais fraco”, lamentou.
Depois de se fixar em Porto Mosquito, passou a vender peixe na comunidade, mas com o passar dos anos e o corpo a perder força, sentiu que era hora de parar.
“O tempo passa e o corpo começa a ficar fraco. Vi que devia sentar”, recorda.
O seu marido, Marcelino Moreira, começou a pescar aos 11 anos e construiu uma vida dedicada ao mar, com experiências em Portugal e África do Sul.
“O peixe que tínhamos uma vez, agora não temos mais. Antes havia poucos barcos, mas hoje temos embarcações do mundo inteiro a pescar nos nossos mares”, reclamou. Apontou ainda diferenças nas técnicas utilizadas, afiançando que “eles não usam anzol, usam redes e levam tudo”.
A escassez de peixe, segundo os entrevistados, agrava-se em períodos de falta de isca, mar agitado ou dificuldades no acesso a combustível.
Izamila, peixeira local, afirma que a situação das vendas está cada vez pior.
“As vendas estão muito mal. O peixe está caro para os pescadores venderem às peixeiras e, depois, na cidade, dizem que está caro para comprar”, lamentou.
Ela pede maior atenção das autoridades, afirmando que a comunidade precisa de melhores condições para trabalhar.
“Gostaria de ter uma arca. Não preciso de dinheiro, porque o dinheiro vai-se logo. Mas com uma arca, mesmo sem peixe, eu tirava dali e vendia”, reforça.
Reivindica ainda a construção de uma casa de motores em Porto Mosquito, para facilitar a vida dos pescadores que têm de transportar os motores avariados até à cidade.
Apesar da implementação de um projecto de apoio aos pescadores e peixeiras, com recolha de nomes e levantamento de necessidades, Izamila refere que a ajuda ainda não chegou de forma concreta.
“Fizeram reuniões, prometeram, mas até agora nada”, denunciou.
André Andrade, com mais de 40 anos de experiência no sector, afirmou que a pesca deixou de ser uma actividade sustentável.
“Hoje há muitos barcos a pescar nos nossos mares. O peixe desova aqui, mas os barcos levam tudo para fora”, alertou.
Pedro Gomes, jovem pescador que alterna com trabalhos em construção civil, defendeu a criação de uma pensão para os pescadores reformados.
“(…) Hoje pescamos, mas amanhã, com 60 ou 70 anos, não conseguiremos mais. E o dinheiro da pesca não chega para uma vida inteira”, sublinhou.
Alberto Gomes, também pescador, lamenta a falta de solidariedade entre os profissionais da comunidade.
“Há quem tenha melhores condições, prepara as suas iscas e, quando encontra peixe, guarda só para si. Isso desanima os outros”, disse, criticando ainda a prioridade dada aos barcos estrangeiros que, segundo ele, “ficam com tudo”.
A emigração é outro factor que, segundo os moradores, agravou a crise.
“É como se, quando as pessoas emigraram, os peixes foram com elas”, ironizou Izamila, referindo-se à venda em massa de botes por parte de quem deixou a comunidade.
Mesmo com as dificuldades, os pescadores e peixeiras de Porto Mosquito, no concelho da Ribeira Grande de Santiago, mantêm-se firmes, com fé e esperança.
No entanto, como alertam, só a força de vontade não basta. A comunidade pede intervenção urgente do Governo e da câmara municipal, com medidas concretas que revitalizem a actividade pesqueira e garantam o futuro da comunidade.
KA/SR/JMV
Inforpress/Fim
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