Mindelo, 31 Ago (Inforpress) – A sessão de hoje do julgamento do advogado Amadeu Oliveira foi suspensa cerca das 20:00 por o arguido ter-se queixado de uma “indisposição momentânea”, tendo sido transportado ao hospital, mas “já passa bem”, segundo a equipa de defesa.
Antes, na sessão que principiou depois das 15:00, a defesa continuou na estância de perguntas ao arguido e foi o próprio Amadeu Oliveira a trazer à tona os inquéritos mandados abrir na sequência de um programa televisivo, em que terá criticado o sistema judicial e alguns agentes
Revelou que a acusação incluiu “falsidades” no despacho de pronuncia e, concretamente, referiu-se a inquéritos da Procuradoria-Geral da República (PGR) “sem diligência conhecidas” e que foram arquivadas.
Na sequência, a defesa, perante declarações do arguido, requereu diligências no sentido de se fazer chegar ao tribunal os autos de instrução 04/PGR/2017 e 05/PGR/2017, e ainda o conteúdo do email enviado pelo arguido ao presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), Bernardino Delgado, no dia 01 de Julho de 2018.
A defesa solicitou ainda os inquéritos realizados pela PGR e pelo CSMJ para apurar as denúncias do arguido contra os conselheiros do STJ.
Contudo, a juiz presidente do colectivo, Circe Neves, deferiu de imediato o pedido dos documentos “que não envolvem troca de e-mails”, já que se trata, conforme justificou, de matéria da vida privada e que pode envolver terceiros, pelo que prometeu analisar o pedido e decidir ainda no decorrer do julgamento.
É que, para a defesa, sem diligências e sem sequer concluir os inquéritos, “que foram arquivados”, o “pior” é que se fez crer que o arguido teceu críticas contra os juízes do STJ “sem qualquer prova”, com a acusação de não ter tido comparecido em sede de audição, quando “sequer” foi notificado.
“É tudo mentira porque as investigações nunca foram concluídas”, declarou o arguido, num dia em que se confessou “triste, não por estar na cadeia”, mas “por tudo aquilo que está vertido nos 145 pontos do despacho de acusação”.
Aliás, sobre o despacho de pronúncia que sustenta a acusação do Ministério Público, Amadeu Oliveira disse tratar-se de um “conjunto de frases feitas” e de “um jogo de palavras”, que tem procurado “desmontar ponto por ponto”, já que são frases “construídas contra o direito” e que “violam” a própria técnica do direito penal.
“Há uma lei de 1990 sobre direitos e deveres de titulares de cargos políticos, entretanto derrogado pela Constituição da República de 1991 com base na qual estou preso há mais de um ano”, declarou Oliveira, referindo-se a uma lei que já não se encontra em vigor, mas que foi com base nela “que me meteram na cadeia”.
A defesa referiu-se ainda aos vários pontos da acusação sobre artigos de imprensa e audiovisual que envolvem o arguido, vertidos no despacho de pronúncia, e que “não foram desmentidos” pelo mesmo, tendo Amadeu Oliveira referido que não pode andar a desmentir tudo o que é escrito sobre ele e o seu constituinte Arlindo Teixeira, pois trata-se de “dezenas e dezenas de artigos”.
“Os que têm a minha voz e a minha cara assumo nalguns termos, sou eu”, concretizou Oliveira, que lembrou que determinados termos publicados são da responsabilidade dos autores dos textos, que não pode dizer que não fez “tal e tal declaração”, por não se lembrar, porque foram dezenas de entrevistas e artigos.
Na ponta final da sessão da tarde/noite de hoje, a juiz presidente do colectivo chamou atenção da defesa no sentido de evitar repetições de temas já debatidos com o arguido, “até para economia processual e de tempo”, mas a defesa ripostou que se deve debater para permitir a descoberta da verdade material, nem sempre pelos mesmos caminhos do Ministério Público, por exemplo, já que as lógicas são diferentes.
Devido ao prazo de prisão preventiva, o julgamento de Amadeu Oliveira terá que conhecer o seu desfecho até o dia 17.
A audiência de discussão e julgamento prossegue esta quinta-feira, as 14:30, com a continuação das perguntas da defesa ao arguido, sendo que audição de testemunhas de defesa e de acusação que residem na ilha de Santiago, através de videoconferência, será reagendada para sexta-feira, 02 de Setembro.
O advogado Amadeu Oliveira está acusado de um crime de atentado contra o Estado de Direito, um crime de coação ou perturbação do funcionamento de Órgão Constitucional e dois crimes de ofensa a pessoa colectiva.
Foi detido no dia 18 de Julho de 2021 e, dois dias após a detenção, o Tribunal da Relação do Barlavento, sediado em São Vicente, aplicou a prisão preventiva ao então deputado nacional eleito nas listas da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID) pelo círculo eleitoral de São Vicente.
No dia 14 de Fevereiro, como resultado de uma Audiência Preliminar Contraditória, Amadeu Oliveira foi pronunciado nos crimes que vinha acusado e reconduzido à Cadeia Central de São Vicente onde continua em prisão preventiva.
Em 29 de Julho, a Assembleia Nacional aprovou, por maioria, em voto secreto, a suspensão de mandato do deputado, pedida em três processos distintos pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para o poder levar a julgamento.
Em causa estão várias acusações que fez contra os juízes do Supremo Tribunal de Justiça e a fuga do País do condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio – pena depois revista para nove anos – Arlindo Teixeira, em Junho do ano passado, com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França, onde está há vários anos emigrado.
Arlindo Teixeira era constituinte de Amadeu Oliveira, forte contestatário do sistema de Justiça cabo-verdiano, num processo que este considerou ser “fraudulento”, “manipulado” e com “falsificação de provas”.
Amadeu Oliveira assumiu publicamente, no parlamento, que planeou e concretizou a fuga do condenado, de quem era advogado de defesa, num caso que lhe valeu várias críticas públicas.
AA/JMV
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