Entrevista de Paulino Vieira divide opiniões em Cabo Verde do cidadão anónimo aos agentes culturais

Cidade da Praia, 06 Mar (Inforpress) – A entrevista concedida à agência Lusa por Paulino Vieira caiu como uma bomba em Cabo Verde, por duras acusações proferidas pelo músico àquilo que designou de “máfia” da indústria musical do arquipélago.

O multi-instrumentista, compositor, cantor e produtor deu uma entrevista à Lusa em que afirmou que o sucesso da Cesária condenou a música de Cabo Verde ao “extermínio”, não deixando os outros artistas brilharem, e que reduziu a música das ilhas à morna.

Assim que o conteúdo da entrevista começou a ser reproduzido por outros órgãos da comunicação social, as opiniões de centenas e centenas de pessoas dividiram-se e abalaram as redes sociais.

Do cidadão anónimo, comum, aos agentes culturais, as críticas, umas a favor, outras contra, não se fizeram esperar.

O artista plástico, escritor e poeta cabo-verdiano Tchalê Figueira foi um dos primeiros internautas a reagir à entrevista, na sua página social na rede Facebook, acusou Paulino Vieira de ser uma pessoa “rancorosa” e lembrou um episódio que, segundo o pintor, poderá ser a fonte de toda esta polémica.

“Vocês sabem que no show da Cize no Olímpia ou Bataclan (não me lembro qual destas salas), Paulino fez um longo solo, mais do que necessário, algo inadmissível, quando a estrela era a Cesária e não o Paulino. O manager e o músico entraram em polémica e o músico foi despedido. Esta é a fonte de toda a polémica e como pessoa rancorosa que ele é, depois de tantos anos, todavia, manda estas bujardas”, interroga Tchalé Figueira.

O artista plástico prossegue: “Cize não merece, destruir é mais fácil do que construir e o nosso povo é bom nisso. Alimentais o ego de um homem mau chamando-lhe de génio? Génio era Beethoven e direi que Cesária, na sua humilde vida, foi imenso, Cabo Verde deve à saudosa Cize todo o respeito e gratidão, ela pôs este arquipélago na boca do mundo”, concluiu.

O ex-presidente do conselho de administração da ASA (2001 a 2015), Mário Paixão, também comentou as afirmações de Paulino Vieira, sublinhando que a maioria ou uma boa parte dos artistas cabo-verdianos vivem no estrangeiro, inclusive o Paulino, que fazem música para todos os gostos.

“Monopólio como? Olha a Mayra Andrade, a Lura, o Zeca di Nha Reinalda, o Gil Semedo, o próprio Paulino Vieira e muitos outros. Têm espaço, liberdade e um mundo para conquistar. A Cesária não conquistou o mundo com comunicados, entrevistas, discursos ou fazendo publicidade. Até porque ela era avessa a essas coisas. Impôs-se no mundo – cantando! Cantando o que queria e se sentia confortável! O mérito foi dela e todos devemos-lhe admiração e gratidão”, vincou.

A partir da ilha do Fogo, o professor e activista cultural Fausto do Rosário comentando a publicação de Tchalé Figueira, ironizou que “Beethoven também ficou conhecido por ter um feitio irascível”, referindo que no episódio sublinhado por Figueira, é “evidente o desconforto da Cize perante algo que não estaria previsto no alinhamento do espetáculo”.

“.. não obstante ser um sublime improviso, digno de figurar em qualquer compilação, não só da nossa música como, mesmo ombreando com grandes momentos/interpretes da harmónica, sobretudo entre os grandes do Blues, não imaginava ter sido o rastilho para o corte do vinculo contratual entre o empresário e o artista…”, vincou.

Há quem, porém, concorde com as críticas de Paulino Vieira e escreva que o próprio fez bem em apontar o dedo a uma suposta máfia que tem controlado a indústria musical do arquipélago

“A opinião do músico Paulino Vieira é uma perspectiva válida e pode ser compartilhada por muitos outros músicos e artistas. Ele sugere que o sucesso internacional da música cabo-verdiana pode ter levado à limitação da criatividade musical no país e que é importante para os músicos cabo-verdianos explorar novos estilos musicais e influências culturais”, escreve um internauta, para quem a “essa perspectiva pode ser vista como uma forma de incentivar a diversidade e a inovação na música cabo-verdiana”.

Um outro internauta vinca que o “politicamente correcto” não tem deixado as pessoas falarem verdade e, por isso, o mundo vai vivendo numa tremenda ilusão.

“Fico felicíssimo em tê-lo de volta, nosso grande sábio. Revejo-me inteiramente nessa entrevista, que há de ficar para a História das Ilhas. Com ela o grande Paulino derruba, com uma só cajadada, toneladas de mitos, que alimentaram, por muito tempo, a hipocrisia de muita gente, em especial dos nossos governantes, sempre prontos a tirarem uma lasquinha da fama da Cesária Évora”, criticou.

As críticas de Paulino Vieira sequer são novidades, são antigas. É o jornalista Orlando Lima quem lembra aos internautas disso.

“Há uns 15 anos que o Paulino Vieira tinha feito essas mesmas acusações numa entrevista ao Fonseca Soares, da Rádio de Cabo Verde (RCV). Portanto, nada de novo”, disse.

“O Paulino Vieira apenas reafirmou uma revolta (?) que, penso, merece ser repensada de forma profunda e desapaixonada, sempre, respeitando aqueles e aquelas que levaram e levam o nome de Cabo Verde bem longe”, apaziguou.

JMV/AA

Inforpress/Fim

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